A obesidade em pediatria tornou-se um problema crescente em saúde pública, devido ao progressivo aumento de sua incidência, mesmo nos países em desenvolvimento. No Brasil a “Pesquisa Nacional sobre Saúde e Nutrição” realizada no período de junho a setembro de 1.989, pelo Instituto Nacional de Alimentação e Nutrição, observou prevalência de obesidade de 4,8% nos meninos e de 5,3% nas meninas com idade inferior a 10 anos; acredita-se que atualmente estes números estejam bem maiores. Num estudo realizado entre 1.988 e 1.994, através do National Health and Nutrition Examination Survey (NHANES III) nos Estados Unidos, a prevalência de obesidade em crianças e adolescentes (6 a 17 anos) foi de 10,6%; sendo evidenciado aumento importante em relação ao estudo anterior, realizado entre 1.976 e 1.980 (NHANES II), cuja prevalência foi de quase 6%. Além do importante aumento na prevalência da obesidade, o estudo mais recente também observou que 14% das crianças apresentavam índice de massa corporal (IMC) entre os percentis 85 e 95, sendo considerados de risco para obesidade. O aumento da prevalência da obesidade é multicausal. A diminuição das atividades físicas, a mudança do padrão alimentar com maior ingestão de gorduras, a irregularidade dos horários das refeições, o acesso facilitado a alimentos tipo “fast-food”, a falta de controle dos pais, bem como a instabilidade familiar, são alguns dos fatores que contribuem para o aumento da obesidade.
Estudos longitudinais da infância até adultos jovens sugerem que o excesso de peso na criança, é mantido na idade adulta. O risco relativo da criança obesa tornar-se um adulto obeso aumenta com a idade dentro da própria infância e em comparação com os magros. Assim, quanto maior a idade da criança obesa, maior a probabilidade de se tornar um adulto obeso.
Na infância, uma das principais consequências da obesidade está relacionada com as alterações psico-sociais. Desde muito cedo as crianças incorporam o conceito de beleza da “magreza”, e já a partir dos 6 anos de idade relacionam a obesidade com características negativas, como a preguiça e o desleixo, com tendência de discriminar os obesos. Mesmo assim, as crianças obesas não apresentam baixa estima; situação que inverte na adolescência, quando passam a ter uma auto-imagem negativa, que se mantém até a idade adulta. Este comprometimento psico-social é mais evidente nas meninas. Não menos importantes são os riscos “orgânicos” para a saúde da criança obesa, como alteração dos triglicerídeos e colesterol (aumento da fração LDL, e diminuição da fração HDL); intolerância a glicose (evidenciada pela acantosis nigricans no exame físico); alterações hepáticas (esteatose hepática); colelitíase; hipertensão arterial sistêmica; apnéia do sono; alterações ortopédicas, dermatológicas, respiratórias, entre outras. A maioria destas alterações são reversíveis após a perda do excesso de peso. As alterações metabólicas na maioria dos casos, são mais evidentes na vida adulta.
O prognóstico é bastante controverso. Alguns estudos mostram que aproximadamente 30% das crianças obesas podem ser adultos obesos e que as chances de um indivíduo obeso conseguir remissão permanente não são maiores que 30% na maioria dos estudos. Somando-se a dificuldade do tratamento com as diversas consequências (físicas e emocionais) da obesidade, são de vital importância os esforços para a prevenção, reconhecimento precoce e tratamento efetivo da obesidade na infância.
Estudos longitudinais da infância até adultos jovens sugerem que o excesso de peso na criança, é mantido na idade adulta.
Definição
Num sentido amplo a obesidade é o aumento da gordura corporal total caracterizado pelo acúmulo do tecido adiposo no subcutâneo e em outros tecidos. Embora não exista uma definição padrão, tradicionalmente tem sido definida como o peso para a altura acima do percentil 90 das curvas de crescimento do NCHS (National Center of Health Statistics), ou peso maior do que 120% do peso médio para determinada altura. A prega cutânea tricipital maior que o percentil 85 para a idade e sexo, também sugere obesidade. Tem sido recomendada a utilização do índice de massa corporal (IMC) para auxiliar a definição de obesidade em crianças maiores do que 10 anos, sendo então considerada quando esta apresentar um percentil maior do que 95, e como risco para sobrepeso quando este for entre 85 e 95.
A obesidade tradicionalmente tem sido definida como o peso para a altura acima do percentil 90 das curvas de crescimento do NCHS (National Center of Health Statistics), ou peso maior do que 120% do peso médio para determinada altura.
Etiologia
Pelo menos 95% da obesidade na infância e adolescência pode ser considerada exógena, ou devido a um desequilíbrio entre o excesso de aporte calórico e o gasto energético, associada a vários fatores; ou seja, com origem multicausal. Assim, as desordens endócrinas e síndromes genéticas representariam apenas 5% dos casos de obesidade.
Fatores Associados
Genético e ambiental. Existe uma herança poligênica na determinação da obesidade. O risco de obesidade quando nenhum dos genitores é obeso é de 9%, quando um dos pais é obeso sobe para 50% e atinge 80% quando ambos são obesos.
Sócio-cultural. As mudanças dos hábitos alimentares têm contribuído em muito para o excesso alimentar; que associada a diminuição da atividade física, contribuem para o desequilíbrio entre o aporte calórico e gasto energético.
Emocional e psicológico. Relacionados ao hábito de se alimentar sem fome. O aumento das células adiposas ocorre do sexto ao nono mês de vida intrauterina, no primeiro ano de vida e, em menor intensidade, na puberdade. Assim se estabelecem o número de células adiposas e a partir de então as perdas de peso só ocorrerão às custas da perda de conteúdo lipídico.
O risco de obesidade quando nenhum dos genitores é obeso é de 9%, quando um dos pais é obeso sobe para 50% e atinge 80% quando ambos são obesos.
Diagnóstico
O diagnóstico do excesso de gordura corporal é essencialmente clínico; entretanto, para o adequado diagnóstico e acompanhamento do tratamento das crianças com sobrepeso ou obesidade, pode haver necessidade de uma avaliação mais criteriosa, com procedimentos adicionais. Independente da classificação utilizada, existem dúvidas sobre qual o ponto de corte ideal para a categorização do excesso de peso. As mesmas dúvidas ocorrem sobre qual o melhor método diagnóstico a ser empregado, de acordo com a faixa etária da criança, em consequência de suas mudanças constantes de peso e estatura, que nem sempre ocorrem de forma linear. Nos períodos de aceleração do crescimento, e principalmente na puberdade e adolescência, estas modificações deverão, obrigatoriamente, ser levadas em consideração, para não haver diagnósticos falso-positivos de obesidade. Por exemplo: a menina adolescente, comumente, apresenta aumento do peso corporal às custas de hiperplasia do tecido adiposo, enquanto o menino desenvolve maior massa muscular e óssea. Ambos apresentarão aumento do peso e, se somente este fator for considerado, pode-se classificar uma criança como obesa se seu peso exceder os limites da normalidade, apesar de sua gordura corporal total estar normal. Para estas situações impõe-se a avaliação, também clínica da composição corporal, através de métodos de mensuração dos depósitos de tecido adiposo, sendo fundamental a medida das pregas cutâneas e circunferências, cuja avaliação guarda relação com fatores de risco da obesidade. Atualmente dispomos de métodos mais sofisticados para avaliação da composição corporal, como: hidrometria, espectrometria, bioimpedância elétrica, infravermelho (NIRI), densitometria, hidrodensitometria, dual photon absorptiometry (DPA), dual energy X-ray absorptiometry (DEXA), ultra-som (US), tomografia computadorizada (TC), ressonância magnética (RM). Para a nossa realidade, os melhores métodos de avaliação ainda são os antropométricos, porque são de fácil execução e amplamente disponíveis, porém devem ser obtidos e interpretados corretamente. São utilizadas as seguintes medidas: peso, estatura, pregas cutâneas e circunferências, as quais devem ser obtidas com aparelhos de boa qualidade, calibrados periodicamente (quando pertinente), e com o máximo de cautela na aferição da medida.
Os melhores métodos de avaliação ainda são os antropométricos, porque disponíveis e de fácil execução, desde que realizados e interpretados corretamente .
Quanto ao diagnóstico da obesidade nas diversas faixas etárias, preconiza-se:
Crianças até os 10 anos de idade: índice da relação de peso para estatura (P/E). Este índice é derivado da relação entre o peso real e o peso ideal (percentil 50 para sua estatura, de acordo com os padrões de referência do National Center for Health Statistics - NCHS), multriplicada por 100,ou seja:
peso real
P/E = X 100
peso ideal para estatura
A classificação da situação da criança, em relação ao índice obtido, será da seguinte forma:
P/E Estado nutricional < 110% normal 110 - 120% sobrepeso 120 - 140% obesidade ( 140% obesidade grave ou mórbida Crianças acima dos 10 anos de idade: Índice de Quetelet ou Índice de Massa Corporal (IMC) . O IMC é derivado da relação entre o peso e estatura reais, com a seguinte fórmula: peso (kg) IMC = estatura (m)2 De acordo com o NCHS, o IMC deve ser assim interpretado: IMC Estado nutricional < 18,5 magro 18,5 – 24,9 normal 25,0 – 29,5 sobrepeso 30,0 – 34,9 obesidade leve 35,0 – 39,5 obesidade moderada > 40 obesidade grave ou mórbida
O IMC também deve ser interpretado com relação a idade e sexo. Se o IMC for igual ou maior do que o percentil 95 para a idade e sexo, ou maior do que 30 kg/m2,a criança deverá ser rigorosamente acompanhada. Se o IMC for igual ou maior do que o percentil 85 para a idade e sexo, porém menor do que o percentil 95 e inferior a 30 Kg/m2,a criança deverá ser rigorosamente vigiada, haja vista a freqüente progressão, não havendo controle adequado, de um estágio para o outro.
Percentis do IMC para idade: adolescentes do sexo masculino.
Percentis de IMC para a idade: adolescentes do sexo feminino.
Fonte: WHO EXPERT COMMITTEE. Phisical status: the use and interpretation of anthropometry, WHO Technical Report Series, p. 445, 1.995.
O IMC é o método de escolha para a avaliação das crianças maiores de 10 anos, mas deve ser complementado, quando possível, com outras medidas clínicas, visando a avaliação da composição corporal, em termos de massa gorda e de massa isenta de gordura, como: pregas cutâneas (entre percentis 85 e 90 = sobrepeso; maior que percentil 90 = obesidade); circunferência abdominal (cintura, que é a medida da menor circunferência acima da cicatriz umbilical e abaixo do rebordo costal) e a circunferência do quadril, que traduzem se há maior ou menor depósito gorduroso nestes locais. Se a circunferência abdominal for a maior, traduz acúmulo de gordura do tipo central, ou andróide. Se a do quadril for a maior, implica em excesso adiposo do tipo periférico, ou ginóide. A relação entre as duas circunferências constitui-se um índice útil na classificação da obesidade quanto às comorbidades associadas, já que, sabidamente, o excesso de gordura do tipo central (abdominal) guarda estreita relação com a maior morbimortalidade da doença. Portanto, para o Pediatra, responsável pelo atendimento primário de rotina, são imprescindíveis as medidas do peso e da estatura, aliadas às pregas cutâneas e às circunferências, quando possível e recomendável, não somente para o diagnóstico do excesso de gordura corporal, mas para iniciar as orientações necessárias aos grupos de risco (sobrepeso) e o rigoroso seguimento daquelas crianças com obesidade grave, propensas ao desencadeamento de doenças associadas, geralmente graves e potencialmente fatais, principalmente ao atingirem a idade adulta.
O IMC é o método de escolha para a avaliação nas crianças maiores de 10 anos, mas deve ser complementado, quando possível, com outras medidas clínicas, visando a avaliação da composição corporal, em termos de massa gorda e de massa isenta de gordura
Quanto ao diagnóstico da composição corporal, no sentido de identificar a massa isenta de gordura (ou massa magra) e a massa gorda, pode-se utilizar, além dos métodos antropométricos, métodos laboratoriais, geralmente mais precisos porém, as vezes de difícil execução e onerosos. Em nosso meio encontram-se disponíveis: bioimpedância e densitometria.
A avaliação da obesidade na criança e adolescente deve começar com uma anamnese e exame físico completos. A anamnese deve incluir peso dos pais, peso de nascimento da criança, história alimentar com recordatório alimentar; idade de início da obesidade e informação dos pais referente a percepção dos hábitos corporais da criança, rendimento escolar, relacionamento familiar e social; antecedentes pessoais mórbidos, antecedentes familiares de diabetes , hipertensão, acidente vascular cerebral e doença cardiovascular.
O exame físico deve dar especial atenção ao padrão de distribuição da gordura. A presença de estrias e irritação na pele, estágio de maturação sexual ou presença de qualquer anormalidade ortopédica (escoliose , geno-valgo).
A avaliação laboratorial não é rotineira visto que menos de 5% dos casos têm uma base orgânica. Um perfil dos lipídios para afastar hipercolesterolemia ou hipertrigliceridemia, além da glicemia, estão indicados, particularmente em adolescentes. A análise urinária, análise cromossomial, ultrassonografia pélvica e níveis de gonadotrofinas deverão ser realizados conforme avaliação clínica.
Tratamento
O objetivo principal do pediatra deve ser, então, auxiliar a família através da implementação de um programa de tratamento baseado na modificação dos padrões de atividade e hábitos alimentares da criança obesa. A meta principal seria alterar o comportamento de maneira que a criança utilizasse mais energia para sua atividade, crescimento e processos metabólicos do que as calorias ingeridas, considerando sempre os requerimentos nutricionais necessários para seu adequado crescimento e desenvolvimento, minimizando a perda da massa magra e prevenindo alterações endócrinas.
Os objetivos iniciais do tratamento seriam:
1. Fornecer aporte calórico através de uma dieta balanceada com o objetivo de adequar gradualmente o hábito alimentar da criança e alcançar a participação ativa da família.
2.Corrigir os excessos alimentares da criança, controlando as repetições.
3.Organizar os horários das refeições, substituindo adequadamente os alimentos de acordo com as diferentes funções nutritivas e valor calórico.
O objetivo principal nesta idade é limitar a progressão do peso ou manter o peso enquanto o crescimento continua e a composição corporal da criança é normalizada.
Este processo leva algum tempo; para cada 20% acima do peso ideal são necessários aproximadamente um ano de tempo de “catch-up” sem ganho de peso. Se a criança está gravemente obesa, com significativo risco à saúde, o uso de dietas hipocalóricas poderá ter sua indicação, entretanto, deve-se ter muita cautela e, principalmente em adolescentes, aguardar que ultrapassem o período do estirão. Nestes casos faz-se necessária a utilização de dietas individualizadas, com restrição calórica progressiva (20 a 40% abaixo das necessidades calóricas ) e proporcional ao excesso de peso, devendo-se modificá-las conforme os resultados obtidos. A proporção calórica dos nutrientes é semelhante a de uma dieta normal .
A mudança comportamental da criança é fundamental para o sucesso do tratamento a longo prazo, com a manutenção do crescimento e normalização da composição corporal. A participação ativa da família é imprescindível para que este objetivo seja alcançado, muitas vezes sendo necessário o tratamento conjunto da família, principalmente dos pais.
Em resumo, o tratamento da criança / adolescente obeso envolve um manuseio global e individualizado, em que são trabalhados vários fatores, como alimentação, exercícios, mudanças de hábitos e comportamentos, de maneira progressiva e gradual (num longo período de tempo), e sobretudo utilizando-se o bom senso.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
1 .Schonfeld-Warden N, Warden CH. Pediatric obesity. Pediatr Clin North Am 1997;44(2):339-61.
2. Berkowitz R. Obesity in childhood and adolescence. In: Nutrition in Pediatrics. Walker WA, Watkins JB. B C Decker Inc Publisher, London, 1997:716-23.
3. Must A, Jacques PF, Dallal GE. Long-term morbidity and mortality of overweight adolescents: a follow up of the Harvard Growth Study of 1922-35. N Engl J Med 1992;327:1350-54.
4. Comitee on Nutrition. American Academy of Pediatrics. Pediatric nutrition handbook, 1998, pag 423-58.
5. Silva,ML;Nascimento,ML;Silva,DB. – Obesidade. Monografia apresentada no Curso do Mestrado em Ciências Médicas, Florianópolis, 1998.
6. Troiano, RP; Flegal, KM. Overweight children and adolescetns: description, epidemiology, and demographics. Pediatrics, 1.998, 101(3):497-504.
7. Dietz, WH. Health consequences of obesity in youth: childhood predictors of adult disease. Pediatrics, 1.998, 101(3):518-525.
8. Epstein, LH; Myers, MD; Raynor, HÁ; Saelens, BE. Treatment of pediatric obesity. Pediatrics, 1.998, 101(3):554-570.
9. Fisberg, M. Obesidade na infância e adolescência. São Paulo: Fundação BYK, 1.995.
Nenhum comentário:
Postar um comentário