Internet e Educação
A Internet começou , nos anos sessenta, como uma pequena rede de um projeto militar norte-americano. Só nos anos oitenta, com a evolução da tecnologia, expandiu-se rapidamente, quando passou a ser usada pelo meios acadêmicos daquele país e logo depois da Europa e de outras partes do mundo. Só no início dos anos noventa é que começou a ser usada de modo generalizado por todos os setores da sociedade.
A mídia brasileira, seguindo o restante do mundo, vem explorando muito a Internet, caracterizada como a rede das redes mundiais de computadores. O discurso comum inclui expressões como democratização da informação, aldeia global, acesso a bibliotecas em qualquer parte do mundo. Tais expressões, meio obscuras para quem não lida com computadores, são acompanhadas por números impressionantes: dezenas de milhões de computadores interligados, transmissão de milhões de bits por segundo, outros tantos milhões e bilhões de dólares em jogo. Os cadernos semanais de Informática dos grandes jornais dedicam a maior parte do espaço a informações sobre a rede. Também tem sido explorado o lado sujo da rede, como pornografia, uso pelo crime organizado e a preocupação de controlar seu acesso por crianças.
Franco coloca (1997, cap. 2) que a Internet é um emaranhado de sistemas e serviços, alguns derivados de estruturas tradicionais, como correios, bibliotecas, bancos. Outros são novos, devido a características intrínsecas à mídia, salientando-se a virtualidade, a interatividade e a assincronia, tendo transformado a velocidade e as formas de comunicação entre indivíduos, grupos, instituições. Tais características possibilitaram a concretização de idéias já existentes, particularmente o hipertexto. A vulgarização da Internet no Brasil foi pontuada pelo primeiro livro do jornalista Sérgio Charlab (199 ) e pelo surgimento de revistas mensais especializadas. Também neste caso - como nas outras áreas da Informática - desenvolveu-se um relacionamento sólido entre as mídias impressa e eletrônica.
Passado o efeito dramático (que deverá ainda demorar um bom tempo), alguns aspectos da Internet, acredito, sobressairão e se estabilizarão, como se sobressaem os detalhes de uma paisagem ao passar a tempestade.
Um dos elementos repetidamente enfatizados pela mídia é a possibilidade de acesso instantâneo a informações (texto, números, imagens, cores, sons) em qualquer parte do mundo. Para a pesquisa e leitura inquiridora, crítica, abrem-se vastos horizontes; novamente ocorrerão continuidades e diferenças. Em qualquer escola, em casa ou noutro espaço de estudo e pesquisa, o aprendiz poderá acessar um documento mestre e consultar várias de suas fontes, de certo modo como se estivesse pessoalmente e de modo permanente, nas melhores bibliotecas do planeta. Além disso, outras opções estarão ao seu alcance, como consultar diretamente autores, consultar atualizações de textos, comentar com colegas, imprimir, enviar suas observações, decidir pela veracidade e confiabilidade do que estiver "consumindo."
De certo modo fora do campo educacional, existem complicadores pelas possibilidades do aprendiz distrair-se com jogos, desviar-se por caminhos atrativos, ouvir música, ler jornais, realizar compras, etc., que não podem ser ignorados pela escola..
Esse aspecto poderá tornar-se mais importante para quem estiver em locais ou países pobres de recursos, uma situação típica de nossas escolas públicas e mesmo da maioria de nossas universidades. Essa leitura exigirá maior capacidade de crítica, tanto na escolha do que ler como na forma de leitura (devido à multiplicidade de possibilidades e riqueza do material exposto), como pela mutação constante a que está sujeita a informação eletrônica.
Se acessarmos algum documento científico, veremos que sua forma mudou pouco: ainda são muito parecidos com os documentos reais, com a diferença da forma hipertextual virtual e de referências bibliográficas a endereços eletrônicos e não apenas a textos nas formas clássicas de livros e revistas. Mesmo a forma hipertextual é, essencialmente, muito semelhante ao texto científico convencional, como este documento que você está lendo (entremeado de citações, figuras, notas de rodapé).
O professor deverá tentar ensinar ao aprendiz novas formas de leitura, que no fundo são as de sempre: ler nas entrelinhas, não se impressionando mais com a aparência e a forma; questionar afirmações; confirmar ou questionar fontes e a veracidade ou qualidade de citações, da história, da informação.
Tal atitude já ocorre nas universidades e mesmo nas escolas de países acostumados com tais tecnologias, mas quase impossível hoje de se fazer em larga escala em um país como o Brasil, com alunos e professores pouco conhecedores do meio e deslumbrados com os computadores e com a multiplicidade de opções da Internet.
Isso também acarretará maior responsabilidade, além da maior liberdade ao aluno. Também maior possibilidade de expressão individual e o desenvolvimento de novas habilidades de busca e de troca, novas convenções de catalogação, de difusão, para que possamos reconhecer e decidir o mais rapidamente possível o que é confiável, o que é de boa qualidade, o autêntico do lixo, o brilho do ouro verdadeiro daquele da imitação. Nesse sentido ainda estamos começando. Se entrarmos em qualquer endereço da Internet, veremos que é muito comum a ênfase nos aspectos de aparência e no lixo informacional, sem a colocação de datas, de fontes, de créditos para fotos e outros materiais, sem a história do documento.
Neste sentido, está havendo ênfase na informação em bits produzida sob o estímulo da emoção, instantaneamente, sem os cuidados e os tempos que normalmente acompanham a informação em átomos. Tal tipo de material tem um lado salutar, pois permite, além de maior acesso e menos custo material, maior registro de boa parte da produção que não se materializava antes do surgimento do computador portátil e de Internet, pela falta de suporte, pela falta de interlocutores (talvez a razão mais forte para se produzir algo), pela ausência ou dificuldade de meios adequados de expressão ou de registro, ou seja, além do texto, o gráfico, a foto, o som, a combinação imediata de tudo isso, a flexibilidade retroativa e proativa no manejo materializado virtualmente de tudo isso, com maior número de diálogos ou reconstruções possibilitadas pela reação de outrem e pelo exercício anterior, pela memória do que foi produzido, em um efeito já conhecido de escritores ou artistas experimentados acostumados a dialogar com públicos gerais ou especializados que os estimulam a produzir cada vez mais, a refazer, a tentar novas abordagens.
Nesse sentido, sim, poderá haver profundas transformações da escola, exigindo mais do professor, criando dilemas em relação aos conteúdos que deverão ser trabalhados para se atingir objetivos que, na maior parte (como ocorreu em outros setores) permanecerão os mesmos, ou seja, formar o indivíduo para se inserir de modo responsável no seu mundo, conhecendo a produção passada da humanidade e do seu grupo, agindo segundo valores universais e locais, levando adiante a identidade cultural do seu grupo social nas várias instâncias, tornando-se mais humano, lutando por utopias, etc. Neste sentido também os Sócrates da humanidade, nas suas essências, permanecerão e talvez se tornem ainda mais conhecidos e mais valorizados. Será a repetição do que sempre ocorreu e ocorrerá: a continuidade e a mudança.
Continuidade, como dissemos antes, porque os valores permanecerão, os objetos como já são conhecidos continuarão a existir, ligando o passado ao presente e ao futuro. Objetos, nunca é demais enfatizar, em tempos e espaços reais e cada vez mais em tempos e espaços virtuais.
Mudança, pelo conhecimento de novos aspectos do objeto até então desconhecidos por todos ou por uma grande fatia da humanidade, que antes eram privilégio de alguns, como as bibliotecas de átomos restritas a uma pequena elite religiosa da idade média (como nos mostra Humberto Eco, em o Nome da Rosa).
De acordo com Lévy, as novas tecnologias da comunicação colocam o homem diante de si mesmo, a nível planetário. Diríamos que sim, mas não somente isso: poderá colocá-lo cada vez mais diante de sua própria cultura, do outro próximo (espacial e culturalmente), como já propiciam outras mídias convencionais. Uma pequena parte dos membros de uma cultura local tenderão a ausentar-se virtualmente (como ocorre fisicamente através de migrações), mas a maioria é estável, quando a cultura é viva, em condições favoráveis de continuidade. Permanecem os valores, as perspectivas culturais locais, as identidades.
Se não fosse assim, ocorreria a desumanização, que não acredito que ocorra apenas por causa das novas TI. Vejamos, noutro plano, a tendência hoje à fuga das grandes cidades, em direção ao campo e a pequenas comunidades, mais em sintonia com o gregarismo humano desenvolvido desde os primórdios de sua evolução. Estou considerando a metáfora espacial das grandes cidades como um bom elemento de previsão do que poderá ser a megalópole planetária virtual hoje conhecida como Internet: solidão, apesar da presença maciça de pessoas em locais comuns como praças, metrôs, shows, aglomerações espontâneas.
Em tais locais, ainda o que se salienta são as pequenas comunidades desenvolvidas em bairros, nas organizações relativamente pequenas que constituem o todo, tais como igrejas, estabelecimentos comerciais, associações esportivas, escolas, etc. Tal como já começa a ocorrer na Internet, as grandes cidades são o ambiente natural para o desenvolvimento da violência, da banalização da vida humana, das patologias sociais, algo já estudado pelos cientistas sociais.
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