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sexta-feira, junho 17, 2011

Pedagogia.:.História da Inovação Tecnológica na Educação

História da Inovação Tecnológica na Educação

Mesmo no primeiro mundo o uso pedagógico de computadores parece não ser algo generalizado, onde a integração com o padrão curricular é pobre. Akker e outros (1992) relatam que em vários países do Norte o número de computadores nas escolas cresceu muito já no início da década de noventa, mas eram poucos os professores usuários regulares, sendo comum salas cheias de computadores ociosos.

Predominavam software educativos que sofrem da síndrome do teste escolar: estímulo à memorização de conceitos e à prática pouco significativa de algoritmos. Tais programas basicamente exigem que o aluno aperte algumas teclas para "virar páginas" de livros eletrônicos. São comuns os programas tipo exercício-e-prática, onde o estudante assume uma atitude submissa frente à máquina, tendo apenas que fornecer respostas simples. Deu-se pouca atenção a um conjunto amplo de fatores, essenciais quando se introduz mudanças em ambientes educacionais, tratadas por Akker e colaboradores em quatro categorias:

A. Contexto nacional - Legislação e regulamentações, sistema de formulação de políticas e de tomada de decisões em assuntos educacionais, recursos, instalações e infra-estrutura disponíveis; valores; atitudes de políticos sobre a inovação. características da escola (como organização); suporte externo e características da inovação.

B. A Escola como Organização Social - Experiências com inovações anteriores, papel do diretor, métodos de tomada de decisões, recursos materiais, financeiros e humanos, etc.

C. Suporte externo - Capacitação inicial de pessoal, em serviço, continuada; contatos com especialistas e colegas de outras escolas.

Os professores iniciantes no uso das TI geralmente precisam de muito suporte para vencer os obstáculos iniciais de insegurança, incerteza, preocupações quanto a mudanças na relações entre professor e alunos e sobre os resultados da inovação, devido à "quebra" de relações e rotinas tradicionais (Sandholtz et alii, 1997).

D. Características da Inovação - Investimento inicial e continuado em hardware, desenvolvimento de software e de pesquisa; suporte técnico.

Para entendermos tal situação é necessário uma breve incursão na história da tecnologia educacional. Teodoro (1992), coloca que as tentativas de introdução de artefatos tecnológicos no ensino (regular ou supletivo) tem sido uma história de insucessos. Vários fatores são apontados como responsáveis pela não absorção de tecnologias educativas, dentre os quais saliento a ênfase na própria tecnologia e a falta de sistemas de apoio.

As inovações tecnológicas em educação tem sido historicamente consideradas como tecnologias de substituição (incluindo a substituição do professor), através de projetos originados fora da escola. O rádio e o filme (à partir da década de 1920) e a televisão (na década de 1960 e depois), minimizavam a figura do professor e a organização social da escola. Havia desconsideração pela heterogeneidade cultural de regiões e comunidades diferentes e pouca autonomia da escola como unidade social, com o pressuposto de certa uniformidade lingüística na comunicação professor-aluno, disseminando de modo uniforme um mesmo conteúdo.

As inovações tiveram uma trajetória cíclica, sumariada por Cuban (1986) em quatro fases: geravam elevadas expectativas, eram acompanhadas de um discurso sobre a necessidade de mudanças na educação, estabeleciam-se políticas públicas de introdução, resultando, após certo tempo, em uso limitado.

Aspectos estruturais, econômicos e culturais também não devem ser esquecidos. A história mostra que o rádio e a televisão foram apressadamente exportados de países do Norte para países satélites. Além dos grandes investimentos necessários para que houvesse continuidade e daquelas tecnologias serem pouco desenvolvidas para uso na educação, contextos culturais diferentes e a inadequação das máquinas burocráticas estatais tornavam praticamente impossível a absorção permanente de qualquer tecnologia pelas escolas públicas de países em desenvolvimento.

Alguns elementos da história delineada por Cuban tem estado presentes na história da informática educativa. Vejamos brevemente cada um deles.

1. Elevadas expectativas. No Brasil, os usos das TI na educação foram estimulados pelo contexto da política de reserva de mercado em informática, na década de oitenta (Almeida, 1987).

Desde o início das tentativas de se introduzir computadores na educação, tem sido comuns os discursos que o computador fará maravilhas na escola, existindo uma certa ideologia associada ao seu uso, disseminada por autores e conferencistas e pelos meios de comunicação. Por exemplo, Alfred Bork, no começo dos anos oitenta, nos Estados Unidos, afirmava que "... estamos no início de uma grande revolução na educação; uma revolução sem paralelos deste a invenção da imprensa. O computador será o instrumento desta revolução. Em torno do ano 2000 a principal maneira de aprender, em todos os níveis, e praticamente em todas as áreas de conteúdo será através do uso interativo de computadores" (1980, p.53). No mesmo ano, Papert lançava seu livro Mindstorms, com o mesmo discurso otimista, defendendo a idéia de que o domínio de uma linguagem de programação por crianças iria mudar o modo de resolver problemas e de pensar sobre o próprio pensamento.

A enorme difusão do Mindstorms certamente deveu-se, em larga medida, à novidade da tecnologia na educação, associada a uma poderosa e flexível linguagem de programação acessível a crianças (aspecto dramático). Seymour Papert também é um bom escritor, tendo conseguido traduzir para o grande público idéias normalmente restritas aos círculos acadêmicas. Várias publicações da época, tanto de Informática como de Educação, traziam o mesmo discurso defendido por Papert.

Ainda hoje alguns entusiasmados defensores da informática educativa parecem esquecer que Educação será sempre o substantivo e Informática apenas um dos seus adjetivos, tornando-se transparente, um elemento de fundo, que não aparece muito quando funciona bem.

Após as primeiras pesquisas independentes terem indicado que as previsões do Mindstorms eram otimistas demais (e.g. Pea & Kurland, 1984), o próprio Papert (1985, p.54) começou a dar outro tom aos seus escritos, sugerindo que se evitasse o "tecnocentrismo" , ou seja, a supervalorização do computador e dos seus efeitos, particularmente por pessoas que não aprenderam a lidar com tais máquinas (emergindo em perguntas como: "...Qual o efeito do computador na inteligência do aluno?" ). Segundo ele, com o uso de tais instrumentos as culturas poderiam mudar e com elas as maneiras das pessoas (no nosso caso educadores e estudantes) aprenderem e pensar.

A ênfase na tecnologia também é estimulada pela linguagem da informática e por alguns informatas, que encantados com a força e a complexidade das novas máquinas (efeito dramático, sedutor) e certamente carentes de uma perspectiva epistemológica mais densa, chegaram a afirmar que computadores tem crenças e que algum dia terão sentimentos, contribuindo para manter elevado o nível de expectativas em relação às TI. Neil Postman (1994, cap.7) relata um comentário feito pelo inventor do termo "inteligência artificial", quando afirmou que até máquinas simples como termostatos tem crenças (por ex. "aqui está quente") e agem em conformidade. Postman salienta que neste caso há uma redefinição da palavra "crença", significando apenas o que alguém (ou algo) faz, rejeitando-se a concepção de que estados mentais internos (p.ex. memórias, conhecimentos, emoções, atitudes) são o fundamento das crenças humanas.

2. Retórica da necessidade de inovação, afirmando que a escola está obsoleta. Um bom exemplo desta retórica é uma anedota que circula nos meios educacionais e que inicia um dos livros de Seymour Papert (1994), repetida com freqüência por pessoas que comentam a nova tecnologia educacional. Em linhas gerais, a estória diz que se médicos e professores do século dezenove nos visitassem hoje, teriam reações bem diferentes. Os primeiros não reconheceriam as atuais salas de cirurgia, devido ao avanço da medicina, mas os professores se sentiriam em casa se entrassem numa sala de aula cem anos depois.

Embora esta estorieta tenha um lado salutar, ela é inadequada em vários aspectos, especialmente se aplicada ao nosso país. Ignora coisas mais importantes na escola, como a figura modelo, o domínio do conteúdo e a sabedoria do professor; o diálogo socrático professor-aluno, as relações família-escola, coisas que tem pouca relação com inovações tecnológicas.

Se os professores viajantes no tempo entrassem numa boa escola notariam muitas mudanças, como por exemplo relações mais espontâneas entre mestres e aprendizes, ausência de castigos físicos, alunos e alunas na mesma sala e sem fardamento, recintos com ar condicionado, quadro verde ou de pincel, carteiras individuais, conteúdos novos em várias disciplinas, uma didática melhor, antenas parabólicas nos tetos, salas com vídeo e alguns computadores, a presença de negros e de filhos de trabalhadores, etc. Mesmo com todas as dificuldades, pesquisadores em Informática Educativa reconhecem que a sala de aula, com seus professores, livros textos, quadro e giz, currículo e organização escolar, dirigida para a educação de populações - constitui uma das invenções fundamentais da civilização contemporânea (Perkins et al., 1995).

Por outro lado, apesar de toda parafernália curativa, a medicina moderna não conseguiu erradicar as doenças endêmicas que afligem a maior parte da população do planeta. Erradicou o médico de família, que conhecia pessoalmente seus clientes, curando-os muitas vezes com algumas drogas simples e palavras de prevenção. Finalmente, se os médicos do século passado entrassem em um típico hospital público brasileiro, certamente notariam que houve mudança para pior.

3. Políticas de Introdução. Os anos oitenta foram a década de políticas nacionais de Informática Educativa nos países do primeiro mundo. O Brasil também estabeleceu políticas públicas federais, estaduais e municipais (SEI, 1982; MEC, 1989; Menezes, 1992; Moraes, 1997; Oliveira, 1997).

Em 1981 e 1982, em Brasília e em Salvador, o MEC, a SEI (antiga Secretaria Especial de Informática) e o CNPq patrocinaram a realização de dois seminários nacionais, reunindo especialistas em educação e em informática, que forneceram subsídios para as primeiras políticas públicas na área. Daqueles seminários nasceu o Projeto EDUCOM, previsto para cinco anos (1983 a 1988), implementado em cinco universidades brasileiras (UFPE, UFMG, UFRJ, UNICAMP e UFRGS) escolhidas em regiões diferentes, entre as 26 instituições que se candidataram. Os centros-piloto do EDUCOM foram projetos experimentais, interdisciplinares, reunindo pesquisadores em Informática, Educação e áreas afins, cujo objetivo principal era a produção de materiais pedagógicos, validados pela pesquisa em escolas públicas de segundo grau, como também a formação de professores. Em retrospectiva, constatamos que pouco material foi produzido nos centros experimentais. A grande contribuição do EDUCOM foi a formação de recursos humanos, tanto professores de primeiro e segundo graus nas redes públicas, como na própria universidade, na época bolsistas de pesquisa e alunos de cursos de pós-graduação que fizeram parte das equipes.

Hoje os ex-bolsistas do EDUCOM são pesquisadores formados em Educação, Psicologia, Informática, etc., muitos deles com dissertações e teses de mestrado e doutorado explorando o uso das novas tecnologias. Estão ocupando postos nas universidades, contribuindo, como professores e pesquisadores experientes, para a nova fase da Informática Educativa no país e mesmo a nível internacional.

Por outro lado, a experiência parece mostrar que as inovações educacionais, quando implementadas por autoridades, de cima para baixo, sem certa autonomia e envolvimento das escolas, são prontamente incorporadas por administradores e alguns professores, porém funcionam somente enquanto houver apoio oficial.

4. Uso Limitado. No primeiro mundo o ciclo já foi fechado, com avaliações baseadas em estudos independentes. As pesquisas indicam que computadores contribuem para a aprendizagem (não tanto quanto se previa), que são mais importantes em algumas disciplinas e séries (matemática e língua-mãe sempre aparecem), que existem limiares mínimos de uso continuado para que os efeitos possam ser detectados e que no conjunto o papel do professor da disciplina é fundamental (Watson, 1993).

No Brasil, houve um arrefecimento após quase uma década de políticas federais instáveis, com o impulso retomado pelo atual governo (Mec/Seed, 1996). Em algumas redes educacionais, foram criados centros de informática, que se burocratizaram e foram absorvidos sem atingir as escolas (com as exceções de praxe).

É importante sublinhar que as pesquisas e teorias feitas no primeiro mundo, embora nos ensinem algumas lições, nem sempre são bons guias para a situação de nossa escola pública, com necessidades, história, características culturais, econômicas e sociais bem diversas. Devemos trabalhar para que a história de insucessos não se repita com a introdução de computadores nas escolas públicas brasileiras. Lutemos para que as novas TI venham a ter maior impacto nas nossas escolas do que o ocorrido nos países ricos, onde o acesso da população à educação de melhor qualidade e às tecnologias de modo geral é incomparavelmente maior.

Mesmo no contexto das escolas públicas, vejo a possibilidade de acentuação de contrastes, com a introdução de computadores. Basta citar que no atual programa federal (MEC/Seed 1996), segundo critérios acordados entre os secretários estaduais de educação (média do percentual de escolas de 1o e 2o graus do estado com mais de 150 alunos e do percentual de matrículas), 53,6 % dos computadores, para o biênio 1997-1998, serão alocados aos sete estados da regiões sul e sudeste, onde muitas escolas já possuem computadores e professores capacitados para usá-los, algo raro em escolas públicas dos estados menos desenvolvidos do país.

É comum, nos meios educacionais acadêmicos e administrativos, atitudes de indiferença ou de minimização do potencial das TI para educação, certamente pela história acima mencionada, mas também pelo desconhecimento e por padrões de pensamento (mindsets) firmemente estabelecidos. Em vez de rejeitadas ou ignoradas, as novas tecnologias da informação podem ser experimentadas, estudadas, modificadas e assimiladas às várias áreas do saber educacional, em situações específicas. Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...

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