"Antigamente, os escravos tinham um senhor, os de hoje trocam
de dono e nunca sabem o que esperar do dia seguinte."
Fernando Henrique Cardoso
Já se passou muito tempo desde a abolição da escravatura em 1888. Nossa amada e idolatrada pátria foi o ultimo pais a fazer a abolição da escravatura. Depois de uma mudança brusca sempre demora um pouco para que sejam feitas todas as mudanças necessárias, mas no Brasil nos enfrentamos um problema: ate hoje não acabou. Não vamos ser radicais e culpar apenas o Brasil, como se aqui o processo evolutivo do homem tivesse começado uma escala de retrocesso. Isto e um problema de vários países subdesenvolvidos atuais. África, Ásia, América do Sul... Todos tem sua parcela. O Brasil e um dos mais fracos !!! E um dos que o combate contra e de grande intensidade !!! Mas quais as causas ? Como pode nosso governo deixar isso acontecer diante dos próprios olhos... Como pode homens ainda fazerem isso ! Depois de um senso lógico e alguns momentos de reflexão podemos chegar a certas conclusões.
Nossa economia, nosso governo, nossa realidade... Esses são alguns dos bons motivos para que a escravidão atual ainda exista. Somos um pais ricamente agrário, o que já fornece um excelente painel para que a escravidão seja utilizada. Você pode utilizar escravos em uma plantação, mas não em uma fabrica de microprocessadores. O nosso pais e um dos maiores do mundo em extensão territorial, o que facilita a ilegalidade do ato... Não culpemos nosso governo de tudo, por que sentimos sua preocupação com o problema e sua luta para que isso acabe. Mas a culpa lhe cairá no quesito trabalho, terras e pobreza. E um pais sem empregos, sem dinheiro, sem reforma agraria... Uma reforma agraria bem sucedida renderia empregos para muitos desses, que, enganados caem nas mãos de pessoas que vivem com a cabeça alguns séculos atrasada. Pessoas sem escrúpulos, que se utilizam da ingenuidade de pobres coitados que passam fome e rezam todas as noites para um emprego melhor. Esses pobres coitados que nessa vida nunca tiveram instrução o bastante para realizar o sonho de sair dessa vida.
Vou dar um exemplo de uma reportagem que saiu na revista Terra (Ano 3, numero 10, edição 30, outubro de 1994), de nome a Sina do Sisal. Não e bem uma reportagem sobre a escravidão, já que, escravidão e o emprego em que não se pode sair e lá eles eram "livres"; depois mostrarei o caráter da escravidão neste serviço. O sisal e uma planta que e encontrada em abundância em lugares quentes (de origem mexicana), que se adaptou muito bem ao Brasil. Ela foi trazida ao Brasil no inicio dos anos 60, no auge do comercio deste produto, quando uma tonelada era vendida a mais de 1000 reais e sua procura era enorme. A matéria prima e utilizada para fazer cordas, rechear estofamentos, produzir pasta para a industria de celulose e para a produção da bebida tequila. Hoje em dia sua tonelada se bem vendida consegue a media de 300 reais, e a cada ano sua procura diminui graças a entrada da fibra sintética no mercado, que e muito mais resistente. O único comprador internacional do sisal no Brasil e os Estados Unidos, que compra cordas para amarrar feixes de feno. A media salarial mensal de cada trabalhador e variável de 20 a 35 reais por mês. Homens, mulheres e crianças trabalham neste cultivo. O emprego que mais ganha, o de 35 reais e o de operar a "Paraibana" maquina de desfibrar o sisal. E uma maquina a diesel muito rudimentar que já arrancou a mão de mais de 2000 homens na região da Bahia. E pouco se comparado a o numero de pessoas que vivem disso, que e de mais de 1 milhão de pessoas espalhado por 100 municípios Baianos. Agora, vejamos uma coisa que mostrara a dureza deste trabalho. As pessoa que mais ganham na cidade, são as que não tem uma das mãos. A media salarial de aposentadoria por invalidez e de 200 reais contra 35 reais das que trabalham e tem as duas. De depoimento de um dos ex-trabalhadores do sisal, ele diz " Se quisermos nos libertar da escravidão do sisal, temos que cortar uma das mãos.". Imagine a que ponto uma pessoa deve chegar para que se atente contra o próprio corpo... E um absurdo... Eles são sindicalizados por um órgão de criação própria, mas que atinge apenas 25 % dos trabalhadores, já que grande parte não tem carteira assinada. Eles não tem apoio do governo para melhorar suas condições de trabalho e de incentivo para um novo mercado. Na terra deles, nada que se planta se colhe. A única coisa e o sisal que fica verde o dia inteiro. Se eles pararem de produzir morrem de fome, por que não tem outros meios de conseguir dinheiro e de manter algum modo de subsistência. Então se não podem, teoricamente, abandonar seus empregos, podemos chama-los de escravos... Escravos do sisal... Eles vivem em condições não muito melhores do que as de uma senzala do século passado e se querem se ver longe de algum modo de serviço tem que escolher algo perto da morte... Como um escravo...
Veja, 24/3/99
Vidas estilhaçadas
A história de alguns dos 777
brasileiros que, às portas
do terceiro milênio, passaram
pelo horror da escravidão
brasileiros que, às portas
do terceiro milênio, passaram
pelo horror da escravidão
Alexandre Oltramari e Klester Cavalcanti
Antônio Pereira da Silva, 27 anos, tentou fugir, passou duas noites na mata amazônica, alimentando-se apenas de palmito, e foi recapturado. De volta à fazenda, com os pulsos amarrados, levou uma surra de cipó durante trinta minutos e um soco rasgou-lhe o queixo, fazendo jorrar sangue no seu peito. Dias depois, desesperado, Antônio Pereira da Silva voltou a fugir e, de novo, foi capturado. Dessa vez, levaram-no para passar três dias, a pão e água, na cela de uma delegacia ali perto, em Santana do Araguaia, no sul do Pará. Naquelas subversões típicas dos confins do Brasil, a polícia não foi sua salvação, mas seu cativeiro, e, dali, saiu de volta para a fazenda. Antônio Pereira da Silva trabalhou como escravo por dois meses, na fazenda Estrela de Maceió, em Santana do Araguaia, até ser libertado em fevereiro do ano passado. Com sua roupa habitual, uma bermuda e um par de havaianas nos pés, a pele queimada de sol e o olhar vazio, ele resume sua experiência numa frase:
– Não se faz isso nem com bicho.
No Brasil que bate às portas do terceiro milênio, que alcançou progresso notável em algumas áreas e almeja a modernidade, há brasileiros tratados dessa forma. "É um absurdo que em plena virada do século tenhamos de conviver com gente com mentalidade pré-histórica. Temos de apertar o cerco cada vez mais contra esses senhores de escravos e puni-los", afirma o ministro da Justiça, Renan Calheiros. Desde 1971, quando o bispo de São Félix do Araguaia, dom Pedro Casaldáliga, fez a primeira denúncia de escravidão nos confins do Brasil, sabe-se que o país convive com essa chaga, embora seja difícil acreditar para quem mora nas cidades, tem celular e endereço na internet. Mas nunca se mediu o tamanho exato do problema. Além disso, é um hábito de certas entidades confundir "escravidão", regime em que o trabalhador é impedido de abandonar o emprego, seja por violência ou isolamento geográfico, com "superexploração", quando uma pessoa trabalha além da jornada legal, não tem carteira assinada, recebe salário insuficiente ou, às vezes, apenas um prato de comida – mas é livre para deixar o trabalho quando quiser.
Com exclusividade, VEJA teve acesso aos fichários do Grupo Especial de Fiscalização Móvel, um órgão do Ministério do Trabalho criado há quatro anos com o objetivo de combater a escravidão. Nesses fichários, desvenda-se a história de uma vergonha nacional. De 1995 para cá, informam os documentos, as equipes de resgate do Ministério do Trabalho libertaram 777 brasileiros do cativeiro – e estima-se que para cada escravo libertado haja vários outros vivendo nessa situação aviltante. Os 777 trabalhavam como escravos em fazendas em Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Maranhão e, em especial, no Pará. Eram homens, mulheres e crianças. Negros, brancos e mestiços. A maioria, iludida por propostas falsas de trabalho, deixou o lar nos Estados do Tocantins, Maranhão, Pará e Bahia para virar escrava. "É uma situação horrorosa, perversa, inominável. Enquanto um único trabalhador estiver nessa situação, ninguém poderá orgulhar-se do país em que vive", diz a senadora Marina Silva, do PT do Acre.
Fuga na madrugada – "Eu sou testemunha ocular da escravidão no Brasil de hoje e posso dizer: é horrível", afirma Ruth Vilela, 50 anos, coordenadora do grupo de combate à escravidão. Com apenas 1,50 metro de altura, Ruth Vilela é uma gigante em seu trabalho. Mineira, divorciada, formada em direito, mudou-se de Belo Horizonte para Brasília há quatro anos só para assumir essa função, separando-se de dois filhos, um de 25 anos e outro de 19. Se for preciso, Ruth Vilela deixa o gabinete no 1º andar do ministério e embrenha-se na mata. Com um revólver de calibre 32 enfiado na bota, já comandou equipes de vinte homens, sempre armados com metralhadoras, em operações de resgate de escravos em quatro Estados. "Na minha primeira missão, no início eu não acreditava no que estava vendo. Depois veio a indignação. O tratamento dado a essas pessoas é pior que o dispensado aos animais. Nas fazendas que usam o trabalho escravo, tratam o gado melhor, porque o vacinam e lhe dão comida em estábulos feitos de alvenaria", diz ela.
Ednaldo Silva Santos, 32 anos, é protagonista de uma dessas histórias horríveis. Às 3 da madrugada, ele driblou os capangas numa fazenda em Tomé-Açu, no Pará, andou duas horas pela mata escura e, numa beira de estrada, conseguiu agarrar-se à traseira de um caminhão sem ser notado pelo motorista. Chegou em casa, um vilarejo perto de Tomé-Açu, reviu a mulher e as duas filhas, de quem não tinha notícias havia onze meses. No dia seguinte, recebeu um recado: ou voltava para a fazenda, ou perderia suas filhas. Ele voltou. Roçava a mata quinze horas por dia, não recebeu um tostão e fugiu de novo. Dessa vez não teve aviso prévio. Seu irmão foi assassinado com um tiro na cabeça e, em pleno dia do enterro, um capanga lhe sussurrou no ouvido: "Da próxima vez, é tua mulher e tuas filhas". Ednaldo Silva Santos retornou à fazenda. Foi escravo por mais sete meses, até ser libertado há três semanas, junto com outros doze homens, duas mulheres e duas crianças.
– Se o sujeito se negasse a trabalhar, o patrão mandava matar e enterrava na fazenda mesmo – conta Ednaldo.
Caminhão de gado – Na operação de resgate, houve troca de tiros entre os policiais e os capangas, e o proprietário da fazenda, o madeireiro gaúcho Glênio Dias Estefanes, homem tão vigilante que só deixava a fazenda a bordo de um carro blindado, acabou morto. Preparada com uma semana de antecedência, a operação reuniu 35 policiais. Na hora do cerco, Estefanes tentou fugir, em um Fiesta, mas o carro atolou e ele foi atingido pela polícia. Na fazenda, as mulheres cozinhavam e os homens trabalhavam na lavoura, cuidavam de animais e cortavam madeira. Todos os dezessete escravizados, homens, mulheres e crianças, viviam em um galpão atrás da casa do fazendeiro. Os mais afortunados dormiam em rede. Os outros, no chão.
Nas denúncias da Comissão Pastoral da Terra, a CPT, que há mais de vinte anos procura chamar a atenção para as chagas rurais do Brasil, apareceram nos últimos dez anos 100 000 casos de "trabalho escravo". De 1996 para cá, a CPT denunciou 30 000 ocorrências. Só que, nessas contas, não se faz distinção entre escravidão e superexploração, daí por que o número é tão alto. Ao embaralhar o assunto, infla-se a cifra e joga-se um holofote sobre o tema. Mas essa prática também dificulta uma solução, como alerta o sociólogo José de Souza Martins, da Universidade de São Paulo, USP, num livro ainda inédito, Trabalho Escravo no Brasil Contemporâneo, a ser lançado em breve. Há três anos, a Central Única dos Trabalhadores, CUT, embarcou no denuncismo e criou o "disque-escravidão", uma iniciativa de quem não entende nada do assunto. Ou alguém acha que existe escravo acorrentado no pé de um orelhão? Considerando-se só os casos absolutamente comprovados, de gente escravizada que foi libertada, o número total de 777 sugere que as pessoas nessa situação cheguem a alguns milhares. No Brasil todo, existem 26 milhões de trabalhadores rurais, que movimentam um PIB de 60 bilhões de reais. Trata-se de um universo infinitamente maior que o Brasil escravo. Mas o problema não é estatístico. Mesmo com algumas centenas de escravos libertados e alguns milhares ainda martirizados pelo trabalho imposto, ter esse regime funcionando na nona economia mundial é uma aberração.
Surgido na Antiguidade, quando os romanos e os povos germânicos escravizavam o inimigo vencido, o trabalho escravo chegou ao Brasil menos de quarenta anos depois do descobrimento e durou três séculos e meio, até ser abolido em 1888. Mas, sob certos aspectos, a escravidão de hoje é pior que a do passado. Acabou a escravidão racial e permanente (que transformava o negro em objeto de propriedade do senhor por toda a vida). Sobrou um regime de servidão multirracial e temporária – e muito violento. Antes da Lei Áurea, matar um escravo negro era prejuízo para o senhor, que o comprara e nele investira. Hoje, não se compra o homem. A vítima é atraída à fazenda por promessas falsas. Estima-se que, entre os atuais escravos, 18% sejam assassinados, uma matança muito maior em termos porcentuais que a registrada nas senzalas do século passado. Em junho de 1995, quando reconheceu, num ato de forte simbolismo político, que há escravos no Brasil atual, o presidente Fernando Henrique, sociólogo autor de um livro sobre o assunto, disse: "Antigamente, os escravos tinham um senhor, os de hoje trocam de dono e nunca sabem o que esperar do dia seguinte".
Família no cativeiro – Comparado a nações onde existe escravidão, como as do sul da Ásia ou Oriente Médio, o Brasil é um caso residual. No Paquistão, o governo admite que há 20 milhões de escravos. Na Índia, estima-se em 10 milhões, apesar do esforço do governo para combater essa prática histórica no país. No Nepal, calcula-se em 100.000. No Brasil, o ritmo da escravidão amazônica tem até diminuído, graças ao empenho do governo em estourar as senzalas e, também, à redução do desmatamento na região para a instalação de fazendas. Isso porque a escravidão, antes ou depois da Lei Áurea, sempre foi movida pela lógica econômica, e não por patrões que sejam bons ou maus. Antes de 1888, muitos senhores de escravo aderiram à abolição da escravatura e a defenderam, porque já não lhes interessava, do ponto de vista financeiro, sustentar hordas de negros, que estavam ficando muito caros em razão da vigilância da Inglaterra para desbaratar o tráfico negreiro. É certo que, na hora em que for economicamente inviável escravizar, o problema tenderá a acabar – como a escravidão negra.
Como regra, os escravos do Brasil de hoje são levados às fazendas de ônibus, alguns de avião, mas a maioria vai mesmo em caminhão de carregar gado, de pé, pois não há assento para todos, sacolejando por horas a fio, às vezes dias. Chegam às fazendas e começam a roçar, roçar e roçar. Das 5 da manhã ao cair da noite. Comem no mato, sob a vigilância de jagunços armados. Em geral, vão sozinhos, mas alguns levam filhos e mulher. Pagam por tudo no barracão da fazenda: sal, feijão, arroz, até pelos instrumentos de trabalho, a foice, o machado. E, manipulados por uma espiral de dívidas impagáveis, caem na escravidão – até fugir, salvar-se numa operação de resgate ou até que o patrão dê o trabalho por encerrado.
O tocantinense José Rodrigues da Silva, 40 anos, cabelos desgrenhados, barba com fios brancos e olhar aflito, é um dos que caíram na armadilha da escravidão com a família inteira: a mulher, Maria, 33 anos, os dois filhos, Ronaldo, 16, e Marineuse, 11, além de um irmão de 29 anos e um sobrinho, de 19. No final de 1997, em Santana do Araguaia, embarcaram todos num caminhão com a promessa de receber 50 reais por alqueire de mato roçado numa fazenda. Em uma semana, roçaram quase 6 alqueires, o equivalente a vinte campos de futebol, e foram cobrar o serviço, 280 reais. Para seu espanto, a dívida contraída no barracão era de 300 reais. Resultado: José Rodrigues da Silva nada tinha a receber. Estava devendo 20 reais. Quis ir embora. Não deixaram. Com a família toda, fugir era arriscado. Aguinaldo Soares da Silva, o sobrinho, adolescente tímido, diz:
– O peão que tentava fugir eles batiam de cipó e jogavam no córrego sem roupa. Só louco tentava fugir.
A escravidão por dívida – mero artifício para usurpar a liberdade do trabalhador – é uma modalidade antiga de cativeiro. Em meados do século passado, antes mesmo da abolição da escravatura, os fazendeiros de café em São Paulo trouxeram colonos europeus para trabalhar a terra e os escravizaram. Na Amazônia, o trabalho escravo é quase um hábito histórico. Antes da Abolição, os nordestinos expulsos pela seca eram escravizados no norte do país. No auge da borracha, havia escravos na extração do látex nos seringais, e um desses casos foi flagrado pelo escritor Euclides da Cunha, que o narrou, com detalhes, em seu livro À Margem da História, uma obra ofuscada pelo brilho do clássico Os Sertões. Nesse livro, Euclides conta como um cearense foi escravizado por dívida e conclui ter testemunhado "a mais criminosa organização do trabalho que ainda engenhou o mais desaçamado egoísmo". No final dos anos 60, quando o governo militar passou a distribuir incentivos às grandes empresas para instalar projetos de colonização na região amazônica, o "desaçamado egoísmo" voltou. Foi nesse tempo que Guilherme Pedro Neto, 51 anos, atualmente secretário da Contag, a entidade que representa cerca de 6 milhões de agricultores, mergulhou num martírio sobre o qual não fala sem ficar com os olhos marejados:
– Fui mais do que um escravo. Eu era um animal. Num ano, no início da década de 70, eu fui vendido três vezes.
Abuso sexual – O problema persiste ainda hoje por causa da escassez de mão-de-obra na região e, também, do desemprego no interior do Nordeste e Centro-Oeste, que leva algumas pessoas a aceitar qualquer tipo de trabalho e, em alguns casos, até a se sujeitar mais de uma vez à servidão, pois é melhor comer no cativeiro que ter a liberdade de passar fome. É um problema que, na Índia, está sendo combatido com a concessão de bolsas ou bônus para escravos libertados, de forma a evitar que voltem ao cativeiro por absoluta falta de alternativa. A família de José Rodrigues da Silva, aquele que quando foi receber o salário descobriu que devia 20 reais, está sem emprego desde sua libertação, há mais de um ano. Toda a família. Eles estão instalados numa cidadezinha empoeirada, Caseara, no Estado do Tocantins, às margens do Rio Araguaia.
Há mulheres escravizadas, como Maria, que chegou a uma fazenda com a família inteira. Ela tem cabelos castanhos, braços grossos e é analfabeta. Veste bermuda e camisa regata com a inscrição Comander Adventure World e calça chinelos de dedo. Existem mulheres como Raimunda Chaves, 27 anos, que passou mais de um ano trabalhando numa fazenda em São Félix do Xingu, no Pará, em troca de dois pratos de comida. Cozinheira de mão-cheia, tímida e de pouca conversa, Raimunda hoje está de volta a sua cidade, vive com o novo namorado e um filho de 3 anos. VEJA a entrevistou em sua cidade, mas Raimunda, ressabiada pelo inferno que enfrentou, pede para que não se informe o nome da localidade. Ela tem medo de morrer. Na fazenda em que foi escravizada, Raimunda sofreu abuso sexual três vezes por parte dos capangas. Pensou em suicídio. Um dia conseguiu fugir – mas deixou o marido para trás, de quem nunca mais teve notícia.
Há casos de pai e filho, como o maranhense Lazo Martins dos Santos, 67 anos, que levou o filho José, 17, e ficou dois meses suando na escravidão numa fazenda no sul do Pará. Lazo dos Santos, um velho forte que não distingue quilômetro de metro, nem direita de esquerda, estava desempregado e, ao aceitar o "emprego" no Pará, deixou seu casebre em Guaraí, no norte do Tocantins, com ar orgulhoso de quem iria amenizar as dificuldades da família. Calçou a melhor botina, número 43, que ainda assim lhe deixava os dedos à mostra, vestiu calça e camisa "de pano" e embarcou num ônibus, com outros 41 homens, que também viraram escravos na mesma fazenda. Ao chegar, pai e filho ergueram um barraco de lona, em que dormiam com mais três integrantes do grupo. Passaram a roçar o dia inteiro, e à noite faziam a própria comida: o prato era arroz e feijão, sempre. Duas vezes por semana comiam carne, quando o fazendeiro matava bois. Para beber, água suja, que buscavam num córrego que também servia de banheiro. Quando foi fazer sua primeira cobrança, o velho Lazo ouviu que não tinha nada a receber. Nem ele, nem o filho. Daí em diante, ambos passaram a trabalhar "com uma carabina apontada pra cabeça da gente".
Fingindo-se de morto – Até hoje, a escravidão vem sendo vantajosa para esses novos senhores de escravo, inclusive no plano da impunidade. Não há notícia de um único fazendeiro ou gato, como é chamado o aliciador de mão-de-obra escrava, que tenha ido para a cadeia. Em fevereiro do ano passado, o fazendeiro Antônio Barbosa de Melo, dono de duas glebas no sul do Pará, foi condenado a dois anos de prisão, mas, por ser réu primário, está em liberdade, e sua única obrigação com a Justiça é entregar cinco cestas básicas por mês à CPT. Sílvio Caetano de Almeida, de Marabá, também foi condenado a dois anos, depois que a Justiça comprovou a existência de escravos em sua fazenda, que eram espancados e acorrentados quando tentavam fugir. Seu caso, porém, está nos tribunais superiores de Brasília. Até Benedito Mutran Filho, dono de um haras perto de Belém e um dos maiores exportadores de castanha do país, saiu-se bem na Justiça. Em 1989, um capanga de sua fazenda tentou matar dois fugitivos – um morreu e o outro, com dois tiros na mandíbula, fingiu-se de morto, chegou a ser colocado dentro de um saco plástico, abandonado numa beira de estrada, mas sobreviveu para depor e denunciar. Só o capanga foi condenado – e, aliás, está foragido.
Não se sabe quantos processos por escravidão correm na Justiça brasileira, mas o mais volumoso, e ainda em curso, é o do fazendeiro Luís Martins Pires, que tinha nada menos que 220 escravos em sua fazenda Flor da Mata, no sul do Pará, todos libertados pelo Ministério do Trabalho. Está sendo processado por violar dois artigos do Código Penal – por "reduzir alguém à condição análoga de escravo" e por "frustrar mediante fraude ou violência direitos trabalhistas". Pode pegar até dois anos de prisão. Três meses depois de perder sua senzala, Luís Martins Pires perdeu também a fazenda, desapropriada para fins de reforma agrária, mas ganhou um prêmio. A título de indenização, recebeu 2,5 milhões de reais pela propriedade que, dois anos antes, ele comprara por apenas 100.000 reais. "É preciso uma lei que exproprie fazendas de escravos como se faz com as que plantam drogas", diz o deputado Paulo Rocha, do PT do Pará. Ele é autor de uma lei, sancionada pelo presidente Fernando Henrique há três meses, que pune com cadeia todos os envolvidos na rede de escravidão – o fazendeiro, o gato, o capanga. Quem sabe assim nenhuma outra mãe brasileira passe pelo mesmo drama de dona Clarinda Borges, 64 anos, três dentes na boca, moradora de um casebre miserável em Guaraí, no Tocantins. Mãe de sete filhos, quando se passaram trinta dias desde a partida de um deles, João Manoel Alves Paes, 29 anos, para uma fazenda perto de Santana do Araguaia, no Pará, ela pressentiu algo de errado. Seu diagnóstico:
– Roubaram meu filho.
Seu filho virou escravo no Pará, foi libertado pelas equipes do Ministério do Trabalho, voltou para casa, mas já saiu de novo. Está trabalhando em outra fazenda, desta vez nos arredores de Guaraí. Mas onde fica? Dona Clarinda não sabe. Ele está bem? Dona Clarinda não sabe. "Faz tempo que ele não aparece por aqui."
Analise do texto
Este texto mostra perfeitamente que existe escravidão comprovada no Brasil. E não e pouca coisa. Foram libertados e confirmados quase mil pessoas e a estimativa e muito grande. A frase de Antonio Pereira " Não se faz isso nem com bicho " demonstra que o trato anda muito pior do que o da epoca do tronca e da cenzala. Realmente para os fazendeiros sem escrupulos aquele homem não vale nada, diferente da epoca da escravidão em que cada escravo era um capital investido e por isso não podia ser sacrificado a qualquer custo. O fato dos animais serem tratados melhor do que as pessoas e o fim da picada. Uma pessoa que faz isso não tem um pingo de humanidade... Uma pessoa que abusa sexualmente de uma pessoa e uma pessoa sem escrupulos e sem logica humana... E a falta de uma natureza, porque o comportamento já se foi a muito tempo...
Nos ficamos muito surpresos com o empenho da policia, com toda a estrategia montada e esquematizada e muita vontade de resolver este problema. Pelo menos essa consciência eles tem de que existe e está em grande escala. Não ficamo felizes porque chegamos a conclusão de que isso não e mais do que a obrigação de nossa policia e de nosso governo. Mas falta ajuda por parte dos governos estaduais e municipais. As oligarquias rurais mais uma vez são o problema de nosso pais... Poderiamos dizer nossos "Srs. de engenho" ou "coroneis" porque estamos vendo coisas de seculos atras que apenas esses homens faziam. E incrivel a falta de bom-senso e o ato do individualismo capitalista subir as suas cabeças...
Mas a parte mais chocante de todas com certeza foi a em que vemos a que ponto tudo isso chegou... As seguintes palavras já bastam " ... é melhor comer no cativeiro do que ter a liberdade de passar fome... ". Esse e o comportamento capitalista mais despresivel que existe. A falta de compaixão e o egoismo para com a sociedade. O homem como um objeto, como parte da maquina, como diria Karl Marx. E a mais-valia em pratica... Temos grandes fontes de exercito de reserva o que diminui a necessidade de procura para com os fazendeiros. Então o que fazem... Pegam os mais inocentes os que mais precisam... E como a estória que li uma vez em um livro de Paulo Sandroni, sobre a mais-valia que podemos relacionar ao caso discutido. Um pescador pescava 10 peixes por dia com um lucro de 10 reais cada. Ao final do dia lucrava 100 reais. Um belo (com um pouco de ironia) dia uma grande corporação chega as margens de onde nosso pescador trabalhava. A produção em massa dessa corporação diminui a quantidade de peixes na margem onde nosso pescador trabalhava (isso sera colocado como o desemprego). Em um outro belo dia um agente da corporação chama nosso funcionario que estava passando fome já que so sabia pescar (isso sera colocado como a falta de qualificação de nossos candidatos a escravos) para trabalhar por 300 reais mensais (mudei o valor do original de Sandroni para que retrate melhor o que queremos passar) e continuar pescando a mesma quantidade de peixes de antes, que era 10 dez. Ele continuara fazendo seu serviço como antes so que explorado. E é ai que queremos chegar. A parte de carater economista do exemplo pode ser esquecida mas a parte da exploração e a que acontece e que quero comparar. Nossos escravos são sujeitos a trabalhar pelo que conseguirem para que não passem fome. E da lhe exploração...
Escravos do carvão
e da cachaça
e da cachaça
Em Goiás, vem à luz uma história de exploração
e aviltamento do ser humano, infâmia e sordidez
e aviltamento do ser humano, infâmia e sordidez
Olha a cachaça!
O patrão, forte e volumoso, acaba de chegar de carro, e dá o tão esperado aviso. Os trabalhadores se precipitam em sua direção. São homens maltrapilhos, cobertos de fuligem. Trabalham nos fornos de uma carvoaria e três vezes por dia, de manhã, na hora do almoço e à noite, são contemplados com o prêmio da cachaça abençoada. Eles vão saindo dos fornos umas três dezenas, de 4 ou 5 metros de diâmetro por 2 metros de altura e se atropelam para ter direito aos dois terços de copo que lhes cabe, por vez.
Estamos na Fazenda Cuiabana, distrito de Perolândia, município de Jataí, Goiás, um lugar a que se chega com muita dificuldade. Nesse dia a que nos referimos, 17 último, há ali uma novidade a presença de dois fiscais de trabalho e dois agentes de polícia. Eles vêm atraídos por uma denúncia de maus-tratos aos trabalhadores, talvez exploração de trabalho escravo. São 8 horas da noite quando o patrão chega trazendo a cachaça, ainda inadvertido da presença dos homens da lei. Um dos fiscais, Aldo Branquinho Barreto, fica estarrecido com o que vê: "Os trabalhadores saíram correndo, como gado em busca de ração".
Era, sim, um caso de trabalho escravo. Aldo Branquinho e o outro fiscal, Hélder Jesuíno Fontes, foram acumulando evidências disso. Os trabalhadores eram recrutados na região de Bom Despacho, Minas Gerais, a quase 1.000 quilômetros de distância. Por que Bom Despacho? Porque os donos da carvoaria, os irmãos Jucélio Gomes dos Santos e Geraldo Magela dos Santos, são de lá. Os irmãos prometiam um pagamento de 5 reais por dia de trabalho mas ninguém jamais viu a cor desse dinheiro. Ocorre que eram lançados na coluna de débito dos empregados a roupa que lhes era fornecida, os calçados e outros itens. O acerto, diziam-lhes, seria feito quando deixassem o emprego. Mas que acerto? Os que ousavam reclamar eram informados de que estavam em débito. Todos estavam sempre em débito. Sendo assim, não podiam deixar o trabalho. Os que tentavam apanhavam ora de cinta, ora de vara, segundo apuraram os fiscais. As surras eram aplicadas pelos próprios irmãos proprietários.
Como foram os fiscais chegar ao local? Na origem dessa história há um crime, ocorrido em outubro de 1996. Mataram o "Silibriu". Silibriu era o cognome de Aguinaldo Lopes, filho de dona Florizontina Paulino, moradora em Lagoa da Prata, perto de Bom Despacho. Um dia, dona Florizontina recebe a notícia de que o filho fora morto numa carvoaria, lá longe, e enterrado lá mesmo. Ela sabia que a carvoaria era do "Magelão", apelido de Geraldo Magela dos Santos. Denunciou o crime ao promotor de sua cidade, e com isso desencadeou uma operação que, caminhando lentamente, resultou na missão do dia 17.
A jornada dos trabalhadores ou escravos ia das 4 horas da madrugada às 8 horas da noite. Dormiam numa barraca coberta de lona, em camas beliches. Tudo muito sujo. A comida era arroz com abóbora e toicinho. No depósito onde era guardada, transitavam porcos e galinhas. A água que se bebia era de um poço barrento. Não havia banheiro. O banho possível era no poço. Os fiscais encontraram 39 homens no local, de idades até os 60 anos. Havia outros escravos na fazenda, àquela altura alojados em outros locais, perfazendo um total de setenta. Uma segunda fazenda, dos mesmos proprietários, onde outra carvoaria funcionava nas mesmas condições, seria descoberta dias depois, no município vizinho de Mineiros. Ali se empregavam outras vinte pessoas.
Num local como no outro, havia gente trabalhando há dois anos, sem um dia de descanso. Nunca havia descanso. A cachaça desempenhava um papel importante. Era administrada em doses calculadas para criar o vício, sem tirar o ânimo para o trabalho. Mas podia levar a situações perigosas. Silibriu, o filho de dona Florizontina, criou gosto e queria mais. Não se contentou, um dia, com a dose regulamentar. Daí o incidente que levou a seu assassínio, por um dos patrões, Jucélio.
Os proprietários, levados à delegacia de polícia de Jataí, foram no entanto soltos pelo delegado, que não considerou cabível a prisão em flagrante. No dia seguinte, eles reuniram seus escravos em duas carretas e sumiram. E era assim, com patrões e escravaria sumidos, que a situação se apresentava na sexta-feira passada. Que concluir desta história? Comecemos pelo que não concluir que assim é o Brasil. Isso ainda acontece, nos fundões do Brasil, mas não é o Brasil. Uma conclusão, singela, é de que nada como as mães para provocar a Justiça, nestes casos. No ano passado, a Anti-Slavery International, uma ONG contra a escravidão, deu um prêmio à maranhense Pureza Lopes Loiola, pela persistência em encontrar o filho escravizado num garimpo. Outra conclusão, otimista, é enfatizar que a escravidão hoje choca. Há 100 anos era normal e legal, no Brasil, o que faz crer no progresso da humanidade. Mas talvez seja melhor desistir de conclusões, dada a enormidade dos fatos. Valham estas linhas como homenagem à hombridade de dona Florizontina, e tributo à memória do Silibriu.
Estudamos no segundo bimestre deste ano a escravidão grega que aconteceu a alguns milhares de anos antes de cristo. Passados muitos milhares de anos posteriores, nosso pais ainde se utiliza de uma pratica de carater milenar: a escravidão por divida. A nossa reportagem retrata indiretamente isto. Homens sem direito de argumentar graças a dividas feitas com seu "proprietários". So nos resta falar uma coisa : Onde esta nosso Solon ? A grecia que a milhares de anos resolveu este problema e com isso nos deu a lição que foi muito mal compreendida pêlos nosso contemporâneos, que já, a algum tempo "enforcaram" algumas tentativas de acabar com a escravidão e que depois de algum tempo levou para o papel e esqueceu da pratica o fim da escravidão.
Eles criaram indiretemente dois escravos, um do trabalho e outro da bebida... E uma das maiores maldades do mundo utilizar-se de vicios para tirar proveito de uma pessoa. Eu que estou digitando este trabalho, sem consenso do grupo vou fazer alguns comentarios pessoais que nada tem a ver com a escravidão mas que ira demonstrar quanto baixo foi o golpe aplicado nestes homens de pouca fe. Meu falecido avô morreu por causa da bebida, não por causa dela, mas pela falta dela. Ele era alcoólatra e começou problemas de cancer no pulmão. Com a quimioterapia ele foi obrigado a parar de beber. Ele começou a emagrecer, a parar de comer, entre outras coisas. Um dia ele disse, que, se tivesse que parar de beber e fumar, ele preferiria parar de viver. Morreu alguns meses depois de ulcera medicamentosa e fraquesa no corpo por causa da falta de alimentação. Se para uma pessoa a vida passa a se resumir em um copo de aguardente, imagine aqueles homens que, já que o vicio tomou conta, não tem nada a perder... Da lhe manipulação...
Senzala africana
No interior da Mauritânia, senhores
e seus escravos tocam a vida como há 500 anos
e seus escravos tocam a vida como há 500 anos
Lizia Bydlowski
A escravidão é um dos poucos flagelos ancestrais riscados da história da humanidade. A partir do século passado, a compra, venda e posse de um ser humano por outro passaram a ser encaradas como crime abominável e foram sistematicamente abolidas por toda parte. Último país do Ocidente a extinguir a escravidão, o Brasil assinou a Lei Áurea em 1888. Nos anos 60, um tanto embaraçada com aquele resíduo de barbarismo (já totalmente sem sentido econômico num país enriquecido pelo petróleo), a Arábia Saudita se rendeu à eliminação de uma prática indefensável por qualquer sistema de valores. A Mauritânia, o derradeiro recalcitrante, finalmente libertou os escravos no início da década passada. A diferença é que ali a lei não pegou. Calcula-se que existam 90.000 escravos nessa ex-colônia francesa no extremo oeste da África. São escravos no sentido clássico, e não dos novos tipos de servidão que oprimem trabalhadores humildes, migrantes, mulheres e crianças exploradas, inclusive no Brasil.
Naqueles confins da África, a vida mudou muito pouco desde que árabes e berberes do Egito e do Marrocos cruzaram o Saara, há 500 anos, com o propósito de disseminar o islamismo, e no caminho foram escravizando as tribos de pele mais escura. Até hoje, seus descendentes não conhecem outra realidade. "Deus me criou para ser escrava, da mesma forma que criou o camelo para ser camelo", declarou a mauritana Fatma Mint Mamadou, entrevistada no mês passado por um repórter do jornal The New York Times. Fatma fugiu em 1992 de seu dono, Sidi M'Hamed Ould Hamadi, fazendeiro empobrecido da província de Brakna, no centro da Mauritânia. Fugiu por não mais suportar os maus-tratos. Não encontrou grande dificuldade na Mauritânia, senhores de escravos em má situação financeira se sentem até aliviados com as fugas, já que, para eles, vender suas mercadorias humanas é uma vergonhosa admissão de pobreza.
Situação peculiar "Esta é a sociedade escravagista ideal, de escravos totalmente submissos, que, da mesma forma que seus senhores, aceitam a escravidão como coisa normal", explica Boubacar Messoud, fundador do SOS Escravos, grupo mauritano que luta para expor a prática de escravatura no país. Fatma passou a vida em tarefas típicas: obedecia ao dono, buscava água, cozinhava, servia chá, limpava a casa e produzia filhos, dele e de outros. Como no Brasil escravagista, todas as crianças são propriedade do senhor da casa. À pergunta sobre se foi violentada faz cara de incompreensão, ouve as explicações e responde: "Claro que eles apareciam à noite, quando queriam fazer filhos. É isso que você chama de estupro?". Nunca recebeu salário, nunca foi à escola, nunca se casou porque o dono não lhe providenciou um marido.
"A situação na Mauritânia é peculiar. Em nenhum outro lugar do mundo uma pessoa admite hoje em dia, como lá, que é dona de outra", disse a VEJA Mike Dottridge, diretor da Sociedade Internacional Anti-Escravagista. Lutar contra a escravidão na Mauritânia não é tarefa fácil. Legalmente ela não existe desde a independência, em 1961, foi posta na ilegalidade não uma mas três vezes, a última em 1981. Como a lei nunca foi regulamentada, os tribunais alegam não poder implementá-la. Os escravos só vêm a saber da sua existência quando fogem. Acossado pelas críticas, o governo militar, no poder desde 1984, tomou uma providência: contratou o ex-deputado negro e lobista profissional Mervyn Dymally, dos Estados Unidos, para, por 120.000 dólares por ano, garantir ao estrangeiro que quiser ouvir que, se ainda há vestígios de escravidão na Mauritânia, o governo está empenhado em eliminá-los. Para os escravos não faz a mínima diferença.
Analise do texto
E estranho pensar nisto... Um lugar onde escravo não sabe o que e ser escravo e os que sabem, se sujeitam a situação como carneirinhos. Mas pelo carater que nos e passado, existe um equilibrio de forças... Veja bem, se não existir escravidão onde irão estes escravos, já que e bem identificado o fato de seus senhores não terem a menor condição de lhes pagarem um minimo de salario. Não que nós apoiemos a escravidão, mas que fazer em lugar como esse onde a escravidão deu "certo"... E uma sociedade atrasada, com preceitos atrasados, e então, o que dizer...
Pelo menos nos da a ideia de que existe trabalho escravo em outras partes do mundo, em um caráter muito pior do que o da escravidão no Brasil atual. Da lhe sei lá o que...
Preço da liberdade
Organização cristã suíça entra no mercado de escravos do Sudão e paga para libertá-los
Organização cristã suíça entra no mercado de escravos do Sudão e paga para libertá-los
Na aridez do deserto africano, mulheres e crianças da tribo dinka esperam, acorrentadas, o mercador contar as notas. O homem branco aproxima-se dos 1.050 seres humanos que acaba de comprar por US$ 52 mil e diz: "Vocês estão livres!" Não se trata de ficção nem de História Antiga. A compra foi registrada em janeiro deste ano no norte do Sudão. O comprador era o americano John Eibner. Ele trabalha para a CSI (Christian Solidarity International), organização suíça que ajuda cristãos perseguidos pelo mundo.
A CSI compra escravos para alforriar desde 1995. Já libertou 7.500, apesar da oposição de várias organizações de direitos humanos, para as quais o pagamento de dinheiro a mercadores só faz alimentar o tráfico. A Unicef, organização da ONU para a defesa das crianças, considera "intolerável" a CSI pagar por um ser humano. Mas a própria Unicef é acusada de, para preservar programas assistenciais que desenvolve com o governo sudanês, ter ignorado a existência de escravos no país.
O Sudão está atolado numa guerra civil em que já morreram 2 milhões de pessoas. O norte, muçulmano, tenta subjugar as populações cristãs e animistas, majoritárias no sul do país. Entre os horrores da guerra, o tráfico é apenas mais um. Paramilitares, supostamente com o aval do governo, saqueiam vilarejos do sul e seqüestram os moradores para revendê-los aos fazendeiros do norte.
O preço médio de um escravo equivale a US$ 50, mas crianças de 6 a 10 anos custam até US$ 130. Os escravos dormem em estábulos e trabalham do nascer ao pôr-do-sol no campo. Muitas meninas são violentadas e todas sofrem mutilação genital. Várias escravas tornam-se concubinas de seus senhores. Os garotos recebem nomes muçulmanos e são forçados a freqüentar escolas onde estudam árabe e o Corão. A violência chega ao ponto de transformá-los em soldados e obrigá-los a lutar contra seu próprio povo na guerra civil ou ao lado de combatentes muçulmanos em lugares tão distantes quanto o Afeganistão.
A escravidão existe no Sudão há séculos. Não começou com a chegada dos compradores da CSI e, se é claro que não vai acabar graças à militância dessa organização, ao menos deixou de ser um segredo muito bem guardado pelo governo sudanês.
AJUDA A CRISTÃOS
- A Christian Solidarity International foi fundada em 1977 pelo pastor Hans Stückelberger.
- O objetivo é ajudar cristãos que sofrem perseguição.
- Parte do dinheiro usado no Sudão foi arrecadada por crianças nos EUA.
Sera que isso resolve alguma coisa ? Sinceramente, a escravidão neste lugar não e coisa pequena que se resolve com alguns milhares de dolares. Ainda concordo com a ONU, em que isso so ajudara a aumentar o trafico. Sem contar o fato de que essas pessoas serão libertadas, ganharão a liberdade, mas para onde vão ? Vão passar fome na fronteira com algum outro pais africano ou ate mesmo (com um pouco mais de chance) voltar a ser escravos... Essa organização seria bem sucedida se conseguisse com esse dinheiro transportar escravos para algum lugar onde eles possam trabalhar e conseguir se reconstituir. Apesar de que eles não teriam instrução o suficiente para conseguir isso... E uma situação dificil... Tudo bem... Eles tem bastante dinheiro... Por nos eles gastam do jeito que quiserem... Algumas pessoas podem ate se salvar de algum modo... So Deus sabe... Da lhe tentativas futeis (essa foi pessima)...
Empresas alemãs que usaram trabalho escravo na Segunda Guerra criam um fundo de indenização
Durante a Segunda Guerra, a Alemanha nazista obrigou cerca de 8 milhões de pessoas, judeus e não-judeus, a trabalhar como escravos em campos de concentração, canteiros de obras e fábricas. Muitos ajudaram a construir os próprios campos onde depois seriam exterminados. Outros trabalharam em fábricas nas quais se produziam armas e munição para oExército de Hitler. Eram jornadas pesadas, de 14 horas diárias em média. Em troca disso recebia-se alguma roupa e quase nenhuma comida. Quem tentasse fugir era espancado, muitas vezes até a morte.
É desconhecido o número de pessoas que sobreviveram a esse inferno - alguns historiadores falam em 500 mil. O que se sabe é que até o ano passado a esmagadora maioria dessas pessoas não recebera qualquer indenização por ter sido vítima de trabalho escravo. A história começou a mudar na última terça-feira de Carnaval. Nesse dia, várias empresas alemãs acusadas de se beneficiar desse tipo de mão-de-obra anunciaram, com o incentivo do governo em Bonn, a constituição de um fundo de indenização para sobreviventes do trabalho forçado no nazismo. O valor inicial do fundo deve variar de US$ 1 bilhão a US$ 1,5 bilhão.
A lista das firmas acusadas pode ser lida como um "quem é quem" da elite industrial e financeira da Alemanha. Inclui titãs do peso da Siemens, Volkswagen, BMW, Daimler-Chrysler, Krupp e Degussa-Huels. Na área bancária, o principal nome é o do Deutsche Bank, maior conglomerado financeiro do mundo desde sua recente fusão com o americano Bankers Trust. O total de empresas envolvidas, contando também companhias austríacas e americanas (subsidiárias já instaladas na Alemanha na época do Terceiro Reich), pode chegar a uma centena.
Até meados de 1998 quase não se falava da indenização devida a trabalhadores escravizados na Segunda Guerra. O tema tornou-se obrigatório depois do acordo, em julho passado, em que os bancos suíços aceitaram pagar US$ 1,5 bilhão como compensação por dinheiro, jóias e outros bens depositados ou guardados em contas secretas por judeus que acabaram mortos no Holocausto - bens nunca devolvidos aos sobreviventes ou parentes das vítimas. Nos últimos meses, inspirados nesse acordo, milhares de ex-trabalhadores (principalmente da Europa Oriental e de Israel) explorados durante o nazismo entraram na Justiça com pedidos de indenização.
Não se sabe quanto será pago nem quando. A Volkswagen saiu na frente e indenizou algumas vítimas com US$ 6 mil a cada uma. O fator decisivo para a criação do fundo foi medo de boicote ou ameaça à credibilidade e imagem das empresas alemãs nos EUA. A revelação de que o Deutsche Bank empregara mão-de-obra escrava, por exemplo, chegou a pôr em perigo o negócio com o Bankers Trust. O fundo pretende apagar incêndios futuros.
MANCHA NO PASSADO
Muitas companhias colaboraram com o Terceiro Reich
A Siemens chegou a empregar 50 mil pessoas em regime de trabalho escravo, a maioria no setor de produção de armas.
O Deutsche Bank foi um dos financiadores da construção do campo de Auschwitz.
A Volkswagen, com cerca de 25 mil trabalhadores escravos, também produziu armas, inclusive o foguete V1.
A Degussa fundiu ouro roubado de vítimas do Holocausto e ajudou a produzir o gás Zyklon B, usado em câmaras de Auschwitz.
A BMW usou trabalhadores escravos na fabricação de motores para aviões.
Analise do contexto
De todas as reportagens encontradas essa foi a que nos mais achamos interessante. Hoje foi ate interessante... Eu estava vendo a revista Época, edição, acho que a 49, e vi a seguinte propaganda da Siemens: "Ajudando a trazer mais comforto na sua vida, que já era confortavel graças a nos"... Isso e verdade ? Imagine um judeu, utilizado como mão escrava na Alemanha lendo isso... Qual foi o conforto que eles deram para esse homem, a não ser a dor no passado... Ao ler essa reportagem comentei com o pessoal do grupo se alguns deles tinham assistido a lista de Schindler (não sei se escreve assim). Me lembrei da fabrica de panelas de Oscar Schindler e de tudo que ele fez sobre judeus. E um excelente filme, mas fazem de Schindler um heroi que ele nunca foi... Ele não salvou ninguem... Ele deve ser glorificado por ter sido o único alemão de bom senso que percebeu que eles estavão errados e o minimo que ele podia fazer era devolver o direito de uma vida normal para aquela pessoas, que, se ninguem nunca tivesse perturbado, estariam na santa paz de Cristo ate hoje. Eles so devem agradecer a Deus por terem sido mandados a Schindler e não a outro homem de fabrica.
Uma idéia que o texto passa que não e bem especificada mas pode ser interpretada e de que não existe culpa por parte das empresas... O problemas delas e que se esses judeus começarem a abrir a boca, eles podem começar a ter
varias dores de cabeça e assim sendo, isto custara caro para ser explicado para seu publico. Esse fundo e só uma maneira de calar as bocas dos judeus e não levantar polemica. Não duvidem se daqui a alguns dias aparecer uma propaganda destas empresas dizendo que "Nos assumimos a culpa. Pagamos o que devia. Somos honrados. Comprem nossos produtos" num caráter que dará ate do delas. Não será num tom tão irônico, mas que coisas do tipo acontecem com certa freqüência hoje em dia, acontecem. E os estúpidos Americanos com seu coração bobo como o de uma criança que se contenta com uma bexiga nova, vão adorar... E as vendas vão aumentar... Da lhe estupidez...
Bispos brasileiros se preparam para assumir, publicamente, os erros da Igreja Católica no período da colonização do país
Igreja Católica quer pedir perdão pelos erros de outrora. Pelo menos, por alguns deles. Gestos e decisões que magoaram povos, condenaram inocentes e insultaram outras religiões têm sido revistos pelo Vaticano na virada do milênio. O exemplo dado pela Santa Sé, liderada há 20 anos por um polonês corajoso, alastra-se pelo resto do mundo e chega a nosso país. Nos próximos dias a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) será porta-voz de um ajuste de contas secular, às vésperas de a nação completar seus 500 anos. O episcopado brasileiro está se preparando para pedir publicamente perdão por erros cometidos contra índios e negros durante quatro séculos. A discussão de como fazer esse mea-culpa será um dos momentos marcantes da 37a Assembléia Geral da entidade, que começará na quarta-feira 14. A instituição mais antiga do planeta quer comemorar 2 mil anos do nascimento de Jesus mais leve de culpas.
O sacramento da penitência é um trunfo da Igreja Católica em face de outras religiões cristãs. Por meio da confissão, o fiel arrependido de seu erro tem a chance de retomar o caminho para o céu. Contudo, o ditado "faça o que eu digo, não o que eu faço" muitas vezes prevaleceu sobre os aspectos teológicos: a sinceridade de reconhecer os próprios erros nunca foi um forte na instituição milenar erguida pelo apóstolo Pedro. Para que se tenha uma idéia, o Vaticano demorou mais de 300 anos até reconhecer que o astrônomo italiano Galileu Galilei - que afirmou que a Terra girava em torno do Sol, e não o contrário, como se acreditava no século 17 - estava certo, de fato.
Em terras brasileiras, os pedidos de perdão estiveram fora de cogitação durante séculos e só recentemente passaram a fazer parte das preocupações do clero. A partir dos anos 60, quando religiosos se envolveram com as carências do povo, alguns atuando de acordo com a cartilha da Teologia da Libertação, a Igreja resolveu olhar para aquelas minorias que estão na origem da desigualdade social brasileira: os índios e os negros, ambos escravizados pelo sistema colonial com o beneplácito católico. Foi assim que as pastorais negras se multiplicaram, tal como as missões religiosas que se embrenharam pelos confins do país, buscando novos contatos com tribos. Dessa aproximação, por exemplo, nasceu um dos mais combativos órgãos da Igreja, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), muitas vezes intermediário nas tensões entre índios, governos e grupos empresariais. "Os católicos têm ajudado o movimento negro. Mas faltava rever a omissão histórica em relação ao passado", diz o antropólogo Jeferson Bacelar, do Centro de Estudos Afro-Orientais da Bahia.
Durante a reunião do episcopado brasileiro na cidade de Indaiatuba, interior de São Paulo, deverá ser lido um texto feito originalmente para a Conferência de Santo Domingo, na República Dominicana, em 1992. Lá, o episcopado latino-americano já havia manifestado certo incômodo diante do tema. Frases como "pedimos perdão aos povos indígenas e aos negros pelas vezes que nos servimos do Evangelho para justificar sua escravidão" serão repetidas no mosteiro de Vila Kotska, onde se dará a reunião anual. O gesto de contrição, segundo o bispo auxiliar de São Paulo, dom Angélico Sândalo Bernardino, será dirigido a Deus, aos que foram vítimas da escravidão e a seus descendentes, inclusive os vivos. Mas os bispos ressalvarão que os católicos não podem ser responsabilizados por tudo o que ocorreu. "Nós pedimos perdão pelo nosso quinhão de responsabilidade."
Talvez dom Angélico queira dizer que, quando se opera dentro de uma conjuntura poderosa, a árvore esconda a floresta. É que, na virada dos séculos 15 e 16, a Santa Sé estava associada aos reis de Portugal e Espanha na empreitada dos grandes descobrimentos. Por esse tempo, vigorava em Portugal, e em suas colônias, o padroado régio. A Igreja respondia ao rei, que recolhia e distribuía dízimos, nomeava bispos, vendia benefícios eclesiásticos. Padres evangelizavam índios, mas pouco faziam por eles. "Eles nunca puderam contestar o regime. Se fizessem isso, serrariam o galho em que estavam sentados", compara o padre José Oscar Beozzo, um especialista em história da Igreja. O único protesto dos padres contra os colonizadores acontecia quando estes arrancavam índias das aldeias para servi-los.
A Igreja Católica nunca aceitou a escravidão indígena, mas estava comprometida demais com o sistema para falar em injustiças. "A Igreja não veio para colocar uma cultura no lugar de outra. Seu sentido sempre foi o de propagar o conteúdo do Evangelho, que é a mensagem de Deus", diz dom Geraldo Majella, arcebispo de Salvador. É certo que o trabalho de alguns jesuítas, como José de Anchieta, Manuel da Nóbrega e Antônio Vieira, ajudou a minorar o sofrimento dessa mão-de-obra escravizada, embora não se opusesse frontalmente à servidão. Mas, no caso dos negros, a Igreja carrega uma culpa maior. Aceitou o comércio de vidas, fez vista grossa para o cativeiro e ainda justificou sua escravidão, alegando que eram perdedores de guerras na África. Chegou a legitimar essa postura com base na Bíblia. "Todos os que estão sob o jugo da escravidão devem considerar os seus próprios senhores como dignos de todo o respeito", diz trecho de uma carta do apóstolo Paulo a Timóteo. O clero brasileiro seguiu a recomendação à risca, tanto é que as ordens religiosas mantinham milhares de cativos. Só os beneditinos tinham, em 1871, 4 mil negros. O sociólogo Gilberto Freyre acusou-os de fazer experiências genéticas com escravos na tentativa de descobrir se mulatos eram mais inteligentes que negros.
Não ficou por aí. A Igreja chegou a desenhar um modelo supostamente aceitável para o cativeiro. "De acordo com ele, o escravo poderia ser requerido para o trabalho, mas, em contrapartida, seu senhor deveria cuidar de suas condições de vida e zelar pela sua cristianização", explica o professor de história Manolo Florentino, da Universidade Federal do Rio. Tanto os negros quanto os índios, que seriam prisioneiros da alma, eram batizados. Depois do rito, estariam libertos do mal. Aí morava o perigo: falar em libertação, ainda que da alma, acabava fomentando reações contrárias à escravidão. Muitos religiosos perceberam esse risco. Há, nos arquivos eclesiais, o veemente protesto de um padre de Ibiúna, interior paulista, indignado com seus superiores: "Vós cometeis um crime quando recebeis na pia batismal um inocente com a nota infame de escravo".
Os negros tinham direito ao casamento religioso, mas os senhores não gostavam de dividir os bancos das igrejas com eles. Nem aceitavam partilhar devoções, tanto é que, a partir do século 18, Nossa Senhora do Carmo foi eleita a Virgem dos escravos. Tanta exclusão gerou reações. Em 1711, formou-se em São Paulo a Irmandade Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos. A principal função era arrecadar dinheiro para alforriar cativos e, no caso de fuga, escondê-los. Até hoje a irmandade está em funcionamento. "Fomos levados de nossa pátria e aqui não nos deram nada", queixa-se Sergio Braz Juliano, um de seus representantes.
Com tantas evidências de discriminação, por que a Igreja demorou tanto tempo para se desculpar? "Só se consegue analisar atos depois que se encerra um ciclo", diz o padre Beozzo. Em outras palavras, o processo de revisão histórica iniciado pelo Concílio Vaticano II (1962-1965), levado adiante pelo papa João Paulo II, ainda deverá ser longo. Revirar o passado incomoda e dói. É certo que o que está em jogo não é a Igreja, como instituição, mas os homens a quem ela foi confiada. Estes, sim, são passíveis de erro. Ou como disse Gandhi certa vez: "Os cristãos não são tão bons quanto a doutrina de Jesus".
O sacramento da penitência é um trunfo da Igreja Católica em face de outras religiões cristãs. Por meio da confissão, o fiel arrependido de seu erro tem a chance de retomar o caminho para o céu. Contudo, o ditado "faça o que eu digo, não o que eu faço" muitas vezes prevaleceu sobre os aspectos teológicos: a sinceridade de reconhecer os próprios erros nunca foi um forte na instituição milenar erguida pelo apóstolo Pedro. Para que se tenha uma idéia, o Vaticano demorou mais de 300 anos até reconhecer que o astrônomo italiano Galileu Galilei - que afirmou que a Terra girava em torno do Sol, e não o contrário, como se acreditava no século 17 - estava certo, de fato.
Em terras brasileiras, os pedidos de perdão estiveram fora de cogitação durante séculos e só recentemente passaram a fazer parte das preocupações do clero. A partir dos anos 60, quando religiosos se envolveram com as carências do povo, alguns atuando de acordo com a cartilha da Teologia da Libertação, a Igreja resolveu olhar para aquelas minorias que estão na origem da desigualdade social brasileira: os índios e os negros, ambos escravizados pelo sistema colonial com o beneplácito católico. Foi assim que as pastorais negras se multiplicaram, tal como as missões religiosas que se embrenharam pelos confins do país, buscando novos contatos com tribos. Dessa aproximação, por exemplo, nasceu um dos mais combativos órgãos da Igreja, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), muitas vezes intermediário nas tensões entre índios, governos e grupos empresariais. "Os católicos têm ajudado o movimento negro. Mas faltava rever a omissão histórica em relação ao passado", diz o antropólogo Jeferson Bacelar, do Centro de Estudos Afro-Orientais da Bahia.
Durante a reunião do episcopado brasileiro na cidade de Indaiatuba, interior de São Paulo, deverá ser lido um texto feito originalmente para a Conferência de Santo Domingo, na República Dominicana, em 1992. Lá, o episcopado latino-americano já havia manifestado certo incômodo diante do tema. Frases como "pedimos perdão aos povos indígenas e aos negros pelas vezes que nos servimos do Evangelho para justificar sua escravidão" serão repetidas no mosteiro de Vila Kotska, onde se dará a reunião anual. O gesto de contrição, segundo o bispo auxiliar de São Paulo, dom Angélico Sândalo Bernardino, será dirigido a Deus, aos que foram vítimas da escravidão e a seus descendentes, inclusive os vivos. Mas os bispos ressalvarão que os católicos não podem ser responsabilizados por tudo o que ocorreu. "Nós pedimos perdão pelo nosso quinhão de responsabilidade."
Talvez dom Angélico queira dizer que, quando se opera dentro de uma conjuntura poderosa, a árvore esconda a floresta. É que, na virada dos séculos 15 e 16, a Santa Sé estava associada aos reis de Portugal e Espanha na empreitada dos grandes descobrimentos. Por esse tempo, vigorava em Portugal, e em suas colônias, o padroado régio. A Igreja respondia ao rei, que recolhia e distribuía dízimos, nomeava bispos, vendia benefícios eclesiásticos. Padres evangelizavam índios, mas pouco faziam por eles. "Eles nunca puderam contestar o regime. Se fizessem isso, serrariam o galho em que estavam sentados", compara o padre José Oscar Beozzo, um especialista em história da Igreja. O único protesto dos padres contra os colonizadores acontecia quando estes arrancavam índias das aldeias para servi-los.
A Igreja Católica nunca aceitou a escravidão indígena, mas estava comprometida demais com o sistema para falar em injustiças. "A Igreja não veio para colocar uma cultura no lugar de outra. Seu sentido sempre foi o de propagar o conteúdo do Evangelho, que é a mensagem de Deus", diz dom Geraldo Majella, arcebispo de Salvador. É certo que o trabalho de alguns jesuítas, como José de Anchieta, Manuel da Nóbrega e Antônio Vieira, ajudou a minorar o sofrimento dessa mão-de-obra escravizada, embora não se opusesse frontalmente à servidão. Mas, no caso dos negros, a Igreja carrega uma culpa maior. Aceitou o comércio de vidas, fez vista grossa para o cativeiro e ainda justificou sua escravidão, alegando que eram perdedores de guerras na África. Chegou a legitimar essa postura com base na Bíblia. "Todos os que estão sob o jugo da escravidão devem considerar os seus próprios senhores como dignos de todo o respeito", diz trecho de uma carta do apóstolo Paulo a Timóteo. O clero brasileiro seguiu a recomendação à risca, tanto é que as ordens religiosas mantinham milhares de cativos. Só os beneditinos tinham, em 1871, 4 mil negros. O sociólogo Gilberto Freyre acusou-os de fazer experiências genéticas com escravos na tentativa de descobrir se mulatos eram mais inteligentes que negros.
Não ficou por aí. A Igreja chegou a desenhar um modelo supostamente aceitável para o cativeiro. "De acordo com ele, o escravo poderia ser requerido para o trabalho, mas, em contrapartida, seu senhor deveria cuidar de suas condições de vida e zelar pela sua cristianização", explica o professor de história Manolo Florentino, da Universidade Federal do Rio. Tanto os negros quanto os índios, que seriam prisioneiros da alma, eram batizados. Depois do rito, estariam libertos do mal. Aí morava o perigo: falar em libertação, ainda que da alma, acabava fomentando reações contrárias à escravidão. Muitos religiosos perceberam esse risco. Há, nos arquivos eclesiais, o veemente protesto de um padre de Ibiúna, interior paulista, indignado com seus superiores: "Vós cometeis um crime quando recebeis na pia batismal um inocente com a nota infame de escravo".
Os negros tinham direito ao casamento religioso, mas os senhores não gostavam de dividir os bancos das igrejas com eles. Nem aceitavam partilhar devoções, tanto é que, a partir do século 18, Nossa Senhora do Carmo foi eleita a Virgem dos escravos. Tanta exclusão gerou reações. Em 1711, formou-se em São Paulo a Irmandade Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos. A principal função era arrecadar dinheiro para alforriar cativos e, no caso de fuga, escondê-los. Até hoje a irmandade está em funcionamento. "Fomos levados de nossa pátria e aqui não nos deram nada", queixa-se Sergio Braz Juliano, um de seus representantes.
Com tantas evidências de discriminação, por que a Igreja demorou tanto tempo para se desculpar? "Só se consegue analisar atos depois que se encerra um ciclo", diz o padre Beozzo. Em outras palavras, o processo de revisão histórica iniciado pelo Concílio Vaticano II (1962-1965), levado adiante pelo papa João Paulo II, ainda deverá ser longo. Revirar o passado incomoda e dói. É certo que o que está em jogo não é a Igreja, como instituição, mas os homens a quem ela foi confiada. Estes, sim, são passíveis de erro. Ou como disse Gandhi certa vez: "Os cristãos não são tão bons quanto a doutrina de Jesus".
Alvos da intolerância
Hoje o Brasil tem 330 mil índios
- Não se sabe o número exato de índios no Brasil à época do descobrimento. Historiadores calculam entre 2,5 e 5 milhões.
- Cerca de 10 milhões de africanos desembarcaram nas Américas como escravos.
Corrigindo o passado
Intolerâncias com outras religiões e abusos na Inquisição são revistos
Os historiadores dizem que o Concílio Vaticano II (1962-1965), que levou a Igreja à modernidade, foi o início de um novo ciclo histórico. Na época, sob os papados de João XXIII e Paulo VI, a instituição já dava sinais de que tentaria se reconciliar com o passado. Mais adiante, João Paulo II não se furtou a reabrir feridas. Reabilitou, em 1992, o astrônomo italiano Galileu Galilei, que só escapou da condenação à morte porque fingiu ceder à pressão dos inquisidores, em 1633. Outra revisão se deu em relação aos judeus, pela omissão da Igreja no Holocausto. Os arquivos do Santo Ofício foram abertos em 1998. Sinal de que novos pedidos de perdão poderão ser feitos, como o que é devido ao filósofo italiano Giordano Bruno, morto numa fogueira em 1600.
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